Em 15 de abril de 1925 era guilhotinado na Alemanha o serial killer conhecido como o "Vampiro de Hanôver", que matou a dentadas no pescoço pelo menos 24 – possivelmente mais de 50 – rapazes entre 10 e 22 anos.Friedel Rohte tinha acabado de fazer 17 anos quando desapareceu em Hanôver, em setembro de 1918. Antes, fora visto num café com um senhor distinto, chamado Fritz Haarmann. Ele era conhecido da polícia, pois trabalhava para ela como informante.
Ao chegar em seu apartamento para interrogá-lo, os agentes o surpreendem na cama com um garoto de 13 anos seminu. Mas não encontraram o desaparecido. "Deviam ter procurado direito, porque o crânio de Friedel Rohte estava num nicho, escondido debaixo de revistas e livros", conta o detetive aposentado Jürgen Veith.
Em seus Mord(s)-Touren (Tours assassinos) Veith percorre com turistas os rastros do chamado "vampiro de Hanôver", que confessou o homicídio de 24 rapazes (ou 27, segundo outras fontes). "Essas foram as mortes de que ele se lembrava. Na verdade, devem ter sido mais de 50", explica Veith, sentenciando: "Haarmann foi, em princípio, o Jack, o Estripador alemão."
Fritz Haarmann nasceu em Hanôver em 25 de outubro de 1879, o caçula de seis irmãos. "Ele teve uma infância terrível. Parece que o pai era dependente do álcool – um beberrão, como se costumava dizer – e também o espancava muito. E Fritz provavelmente sofreu abuso sexual por parte de um irmão mais velho."
Isso, em si, não faz de alguém um maníaco assassino, observa a psicóloga criminal Lydia Benecke: "Claro que a maioria dos que são expostos a fatores tão adversos assim no início da vida não comete crimes graves."
Porém estudos científicos demonstraram que, entre um pequeno grupo, maus tratos do gênero podem desencadear tendências a cometer delitos graves, culminando até em assassinatos em série, na forma mais extrema. "Uma falácia fundamental é achar que se note quando um ser humano comete crimes graves. Na maioria dos casos, não é assim."
A observação se aplica também a Haarmann: no dia a dia, ele parecia confiável, sempre bem-vestido, amigável e discreto. Impressionava positivamente também a polícia, que até o contrataria como alcaguete, para fornecer informações a respeito do bairro de prostituição.
Assassino – talvez vendedor de carne humana e canibal
Seus crimes coincidem com os primeiros anos após o fim da Primeira Guerra Mundial. Desempregados enchem as ruas, a comida é escassa, tanto o mercado negro quanto a prostituição prosperam. No grande saguão da central ferroviária, Haarmann negocia com roupas masculinas, carne e outros artigos – e espreita suas vítimas.
"Ele tinha um bom faro para rapazes que, na má situação econômica dos anos 1920, vagavam mais ou menos sem destino e desamparados", conta Veith. "'Ah, vem, tu estás certamente com fome. Estás parecendo cansado. Podes dormir na minha casa e também ganhar alguma coisa para comer': era assim que ele provavelmente atraía as suas vítimas."
Os jovens que seguiam Haarmann até a mansarda no bairro pobre de Mitte tinham entre 10 e 22 anos de idade. Muitos haviam fugido de casa e, na confusão do pós-guerra, inicialmente ninguém sentia sua falta. Os vizinhos não se importavam com os barulhos assustadores que vinham do apartamento: Haarmann matava rasgando a garganta das vítimas com os dentes. Como deporia mais tarde, o ato o excitava sexualmente.
No entanto, o transtorno de eliminar os cadáveres lhe era um fardo: "Eu sempre fiz esse trabalho com horror, mas a minha paixão era mais forte do que o horror do esquartejamento."
"Supõe-se que Haarmann vendesse a carne das suas vítimas no então prosperante mercado negro. O comércio ilegal de carne era rotina, então vender podia ser tanto um método pragmático de se livrar dos pedaços do cadáver, e ao mesmo tempo se enriquecer", relata Benecke. "Permanece em aberto se realmente vendia a carne humana, ou se até a comia, ele mesmo."
Confissão arrancada por métodos pouco ortodoxos
Certo está que Haarmann jogou muitos ossos de suas vítimas no rio Leine, e esse método acaba o condenando: brincando nas margens, crianças encontram alguns crânios. No começo se pensa tratar-se dos restos mortais de afogados. Porém o aparecimento de cada vez mais ossos – por fim, cerca de 500 – coloca a polícia em alerta.
Os cidadãos da cidade na Baixa Saxônia têm medo: quem é o assassino em meio a eles? O "Carniceiro", "Lobisomem", o "Vampiro de Hanôver" faz manchetes pelo mundo. Pouco a pouco, os indícios levam até Fritz Haarmann, que em junho de 1924 é preso.
Devido aos bons serviços como informante, até então a polícia fizera vista grossa por seus pequenos delitos. Mas, assassino em série? Os agentes estão céticos. Até que, numa revista em seu apartamento, encontram marcas de sangue e peças de roupa ensanguentadas.
Como de início ele se recusa a depor, a polícia apela para o que Veith denomina "métodos escusos", colocando, num canto da cela do suspeito, caveiras iluminadas, com as órbitas cobertas de papel vermelho, ou um saco cheio de ossos humanos.
A mensagem era que, se não confessasse, os mortos viriam em busca dele. E ele acaba confessando: seus "garotinhos de brinquedo" tinham sido sempre tão carinhosos com ele, gostaram de participar. Ele os matara num "delírio sexual".
O processo é um evento midiático sensacionalista. Haarmann ganha até uma paródia de uma canção da moda: Warte, warte noch ein Weilchen (Espera, espera mais um pouquinho – que a felicidade vem para ti) vira "Espera, espera mais um pouquinho, que o Haarmann logo vem com o cutelinho e faz patê de ti".
"Meu monumento vai ser atração daqui a mil anos"
O julgamento começa em dezembro de 1924. "Nos dias de hoje, um processo tão gigantesco não seria concluído em prazo tão curto", comenta Veith. Já na época, houve quem questionasse sua legitimidade legal: "Poucas vezes um processo tão significativo foi realizado de modo tão incompetente, mesquinho e equivocado", argumentava o jornalista Theodor Lessing: a sanidade mental de Haarmann, por exemplo, sequer fora devidamente examinada.
Ainda assim, o assassino é condenado à morte e executado em 15 de abril de 1925, com o uso de uma guilhotina, metódo usado à época. Antes, desejara que se erigisse um monumento em sua homenagem: "Vai ser uma atração turística, mesmo daqui a mil anos. Todo mundo vai vir para admirar", afirmou ao psiquiatra que o examinou na prisão.
A história do maníaco homicida foi levada várias vezes aos palcos e às telas. Haarmann, junto com outros serial killers alemães do período, acabou servindo de ispiração para o filme M, o Vampiro de Düsseldorf (1931), de Fritz Lang. Mais diretamente biográfico é O assassino (1995), de Romuald Karmakar, indicado para o Oscar.
Peças de radioteatro, um musical, vários livros, uma história em quadrinhos, até mesmo um – bastante polêmico – jogo de tabuleiro assassino, se inspiraram do "Carniceiro de Hanôver". A ele foram também dedicadas canções, como Most evil, de 2023, pela banda japonesa Church of Misery, de doom metal.
O escultor vienense Alfred Hrdlicka (1928-2009) dedicou-lhe até mesmo mais de uma estátua – como o assassino desejara. Enfim: Fritz Haarmann queria fama – e conseguiu.