Frio ou calor demais: como as mudanças climáticas afetam a saúde

Paulo Saldiva, patologista e professor da Faculdade de Medicina da USP, fala dos impactos que situações de estresse térmico – cada vez mais recorrentes - podem ter na saúde física e mental das pessoas

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Foto: Envato

O time que reclama do frio não vê a hora de o inverno terminar. Mas basta o termômetro subir para que as manifestações comecem, do outro lado. Há algum tempo, a discussão sobre frio e calor deixou de ser apenas uma questão de preferência. As temperaturas extremas têm causado estragos ambientais, financeiros e, é claro, impactado a saúde humana – direta e indiretamente. 

Muito antes de atingirmos este ponto, o médico patologista Paulo Saldiva, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), já alertava sobre o tema. Um dos nomes mais importantes da ciência no país, o pesquisador foi membro do comitê que estabeleceu os padrões de qualidade do ar e do comitê que definiu o potencial carcinogênico da poluição atmosférica, ambos da Organização Mundial de Saúde (OMS). Ele via na pesquisa sobre impactos da poluição na saúde uma ferramenta prática para chamar a devida atenção ao assunto.

“Acho que quando entendemos que a nossa saúde e a saúde das pessoas de quem gostamos estão sendo prejudicadas, temos um instrumento potente de convencimento, tanto para os governos, como para as pessoas mudarem seus hábitos”, argumenta, em entrevista exclusiva à Istoé. Segundo o especialista, com base em um estudo de sua coautoria, para cada 5 graus de temperatura acima da média, temos em torno de 28% de aumento de internações e 2% de mortalidade. Além disso, considerando os gastos em saúde, com atendimento hospitalar, e perda de produtividade por mortalidade precoce, chega-se a um prejuízo de cerca de US$ 1 bilhão.

Como o corpo humano se adaptou a novos climas

Para ajudar a entender melhor os efeitos que o frio e o calor extremos causam no corpo humano, Saldiva lembra de como se deu a adaptação humana ao longo do tempo. “A espécie humana surge em um lugar quente, na África. Era preciso ter uma certa musculatura, um corpo longilíneo, um certo tipo de glândula sudorípara, a pele tinha de ser escura, resistir à insolação, ter resistência para correr morro acima, mesmo com o calor, em busca de alimentos”, explica o médico patologista Paulo Saldiva. 

“Por outro lado, à medida que se direciona para o norte, a cor da pele muda. É preciso receber vitamina, muda a sensibilidade à temperatura. Um esquimó pode enfiar a mão no gelo para pegar um peixe, sem que as pontas de seus dedos congelem. Muda o formato do corpo, é preciso uma camada maior de gordura”, exemplifica. Mas toda essa adaptação levou milhares e milhares de anos. “A questão é que as mudanças climáticas talvez estejam ocorrendo de forma muito mais veloz do que a nossa capacidade de adaptação”, avalia.  

O que acontece com a saúde no calor

Quando está muito quente, o corpo precisa dissipar o excesso de calor para manter a própria temperatura estável. Uma das principais formas de fazer isso é a vasodilatação, ou seja, os vasos sanguíneos se distendem para redistribuir o sangue, que circula mais próximo da pele. Isso pode levar a uma queda de pressão arterial – daí aquela sensação de moleza e até tontura, ao se levantar de forma rápida, por exemplo. 

O corpo perde água pela transpiração e pela respiração. O rim precisa trabalhar mais: por conta da redução da quantidade de água, a urina fica mais concentrada. Aumentam os riscos de cálculos e insuficiência renal. Se o ar estiver seco, as vias aéreas ressecam, dificultando a filtragem de poluentes e impurezas na respiração. É exigido um maior esforço do corpo para se resfriar.

O que acontece com a saúde no frio

Em situações de queda de temperatura, o corpo precisa se aquecer. Então, o movimento é o contrário. Há uma vasoconstrição, com o intuito de diminuir a perda de calor, o que aumenta o trabalho do coração para bombear o sangue em espaços reduzidos. Podem surgir mais riscos de problemas cardíacos. 

Com os vasos contraídos, as extremidades do corpo – ponta do nariz, mãos e pés – ficam gelados. O frio enrijece o pulmão, assim como as vias aéreas. Quando aumenta a poluição nos períodos de frio, as bactérias e vírus “pegam carona” e conseguem entrar no corpo com mais eficiência. Por isso, a ocorrência de doenças respiratórias é maior nesse clima. Além disso, o corpo reduz o metabolismo para poupar energia, ficando mais devagar e sonolento.

A variação da temperatura em períodos curtos, deixa a situação ainda mais complexa. Muitas vezes, no inverno, com o tempo seco, costuma esfriar de noite: se, de dia, faz 26ºC e, na madrugada, 11ºC, 12ºC, temos uma amplitude térmica de 15 ºC. O corpo fica sobrecarregado, na tentativa de regular a temperatura. 

Quem sofre mais com as mudanças climáticas

Embora os extremos de temperatura sejam desafiadores para todos, certos grupos populacionais são mais vulneráveis. É o caso dos bebês e crianças menores de 5 anos, que ainda não têm o sistema de termorregulação, com vasoconstrição e vasodilatação, totalmente maturados. “Tanto é que o bebê, quando nasce, precisa ser aquecido, porque não consegue manter sozinho a temperatura uterina”, explica o patologista. 

No outro extremo, temos os idosos. “O idoso tem a pele mais fina, tem menos gordura subcutânea e um sistema imune comprometido, além de pouca motricidade vascular. Ele não consegue regular rapidamente. Quando o tempo esquenta, ele também esquenta, quando esfria, o corpo dele esfria junto”, diz o especialista. E quanto mais avançada a idade, maior a dificuldade em adaptar a temperatura corporal frente às mudanças. “Tanto que, qualquer gripe, em uma pessoa muito idosa, pode virar uma pneumonia e ser fatal”, compara. 

O pesquisador destaca que os efeitos das mudanças de temperatura, devido à situação climática, já são mensuráveis. “Aquela impressão de frio e calor excessivo, para alguns é desconforto; para muitos, adoecimento. Infelizmente para outros é morte”, afirma. 

Cuidados com a saúde em tempos de mudanças climáticas

  • Ter atenção especial com grupos de maior risco e pessoas com doenças crônicas.

  • Observar e levar a sério sintomas e alterações, inclusive de comportamento.

  • Pessoas com hipertensão, diabetes, asma ou outras doenças crônicas devem redobrar os cuidados.

  • Ao cuidar de um bebê:

    • Verificar cor e quantidade de urina para identificar sinais de desidratação.

    • Observar alterações de comportamento (choro excessivo, chiado, tosse).

    • Procurar atendimento médico em caso de dúvida.

  • No calor:

    • Beber bastante água.

    • Evitar atividades intensas nos horários mais quentes.

  • No frio:

    • Manter-se aquecido com roupas adequadas.

    • Fortalecer o sistema imunológico com boa alimentação.

  • Em todas as estações:

    • Redobrar cuidados com a higiene.

    • Garantir ventilação dos ambientes para evitar proliferação de vírus e bactérias.