Por mais que esperassem baixas temperaturas nessa época do ano no Canadá — afinal, é inverno no hemisfério Norte —, a família da brasileira Ros Mari Cima não poderia prever tanto frio na semana passada. Especialmente no dia em que a temperatura bateu 31 graus negativos em Mont-Tremblant, em Quebec. O jeito de driblar a surpresa foi ir às compras. “Logo que chegamos fomos escolher botas e roupas mais apropriadas”, conta Ros Mari. Os passeios aos pontos turísticos foram mantidos, mas logo o grupo procurava abrigo em locais fechados. Perto dali, em Toronto, os estudantes brasileiros Guilherme Belluzzo Castro, 24 anos, e Thainá Bortolini, 23, recorreram à internet e aos amigos que lá estão para saber como se proteger sob temperaturas que chegaram a menos 19 graus. “Mal sabíamos o que vestir”, diz Thainá. Vontade até havia, mas nenhum dos dois teve coragem de ir à festa da virada de ano, na praça principal de Toronto.

O que Ros Mari e os namorados Thainá e Guilherme estão vivendo de perto é um dos mais terríveis invernos registrados. As últimas duas semanas foram de índices superlativos na história do clima mundial. Em alguns pontos do território canadense, os termômetros marcaram 50 graus negativos. Nos Estados Unidos, na noite do ano novo em Times Square, Nova York, a sensação térmica foi de 10 graus abaixo de zero, o que não ocorria desde 1962. No estado de Montana, caiu a -50 graus. Em Aberdeen, Dakota do Sul, chegou-se a -36 graus e, em Omaha, Nebraska, a -26, a temperatura mais baixa desde 1884. Em média, os termômetros dos EUA mostrarão este ano de 15 a 20 graus a menos que os invernos anteriores.

Nas cataratas do Niagara, o frio congelou a água (Crédito:Aaron Lynett/The Canadian Press via AP)

Grayson e Eleanor

Depois do frio, a neve. Na quinta-feira 4, o país foi atingido pela tempestade Grayson, ou um ciclone bomba, como chamam os meteorologistas. Os ventos intensos fecharam aeroportos e cobriram cidades de gelo. Mais de 3 mil voos foram cancelados. A neve caiu até no Tallahassee, capital da Flórida, em concentração não vista desde 1989. Parques aquáticos em Orlando, como o Sea World, foram fechados. A previsão é de mais frio. “As massas de ar devem se mover lentamente”, afirmou à ISTOÉ Lauren Gaches, do Instituto Americano de Meteorologia. Do outro lado do Atlântico, a Europa foi castigada pela tempestade Eleanor, com ventos que chegaram a 147 km/h no norte da França. Três pessoas morreram, houve falta de energia em várias localidades e inundações atingiram a Inglaterra. Em Paris, a visitação à Torre Eiffel foi suspensa na quarta-feira 3.

O que surpreende em ambas as situações são a intensidade e a duração dos fenômenos. Tanto o frio quanto eventos como as tempestades Grayson e Eleanor são esperadas para essa época do ano na parte norte do planeta. Mas não com tamanha violência. Boa parte dos climatologistas atribui as ocorrências que estamos vendo às mudanças climáticas resultantes do aquecimento global. “A tendência é que os extremos fiquem cada vez mais extremos”, afirma a meteorologista Morgana Almeida, chefe do Centro de Análise de Previsão do Tempo do Instituto Nacional de Meterologia. O primeiro levantamento sobre as temperaturas de 2017 confirma o raciocínio. De acordo com documento do Centro de Monitorização do Clima da União Europeia divulgado na quinta-feira 4, o ano passado foi o segundo mais quente já registrado, com temperaturas em média 14 graus mais elevadas, perdendo apenas para 2016.

Na semana passada, Christine Lagarde, diretora do Fundo Monetário Internacional, alertou quanto à necessidade de combater o aquecimento. “Seremos torrados, assados e grelhados”, disse ela. Donald Trump discorda. Em meio ao frio glacial desse inverno, o presidente tuitou: “Talvez possamos usar um pouco daquele bom e velho aquecimento global contra o qual nosso país, e nenhum outro, iria para pagar TRILHÕES DE DÓLARES para combater. Agasalhem-se!“.

“Seremos torrados, assados e grelhados”
Christine Lagarde, diretora do FMI, ao alertar sobre a
necessidade de adoção de medidas contra o aquecimento global