Embora ainda dependendo da aprovação parlamentar, político de 69 anos já é tratado há meses como futuro chanceler federal. E esboça um curso mais "ousado e otimista" para a Alemanha.No momento, o presidente da conservadora União Democrata-Cristã (CDU) e líder da bancada parlamentar da CDU/CSU, Friedrich Merz, está, por assim dizer, aguardando nos bastidores da Chancelaria Federal sua entrada em cena. Desde que seu partido saiu vitorioso das eleições gerais antecipadas de 23 de fevereiro, a mídia e seus colegas políticos o têm tratado como uma espécie de pré-chefe de governo.
Cabe ainda ao Parlamento alemão (Bundestag), decidir se Merz assumirá de fato o cargo – após tê-lo rejeitado na primeira rodada de votações, nesta terça-feira (06/05). No início de abril, todos os partidos do futuro governo aprovaram o acordo de coalizão governamental. Superado esse obstáculo, a CDU e o Partido Social-Democrata (SPD), a outra sigla mais forte, assinaram formalmente o pacto.
Tornar-se chanceler federal será para Merz um grande passo numa carreira política altamente anticonvencional – mas também um salto no escuro. Chefe dos democratas-cristãos desde janeiro de 2022, ele nunca ocupou um posto público com responsabilidades de liderança significativas: nunca foi ministro, governador, ou sequer prefeito de alguma cidadezinha.
Ainda assim, a revista alemã de economia Wirtschaftswoche o definiu como "transatlanticista, amigo da Europa e reformista" e, portanto, "exatamente a pessoa certa para os tempos atuais". Caso eleito, aos 69 anos ele será o chefe de governo alemão mais velho a assumir, desde Konrad Adenauer (1949-1963).
Entre política e negócios
Formado em advocacia comercial, Merz nasceu na região de Sauerland, no estado da Renânia do Norte-Vestfália, onde ainda vive. Trata-se de uma zona predominantemente de classe média rural, apreciada pelos turistas e que tende a abraçar os valores conservadores católicos.
De 1989 a 1994, Merz integrou o Parlamento Europeu. Entrando para o Bundestag em 1994, tornou-se chefe da bancada democrata-cristã, e durante 15 anos ocupou-se em especial da relação de seu país com os Estados Unidos. Porém em 2009 perdeu a disputa pela liderança da CDU para Angela Merkel, considerada menos conservadora.
Seguiu-se uma pausa na política, em que o jurista Merz avançou sua carreira no livre comércio. De 2016 a 2020 foi presidente do conselho de supervisão da sucursal alemã da BlackRock, atualmente a maior companhia de investimentos do mundo. Nesse período, esteve frequentemente nos EUA a negócios. Só em 2021 concorreu novamente para o Bundestag, e foi eleito.
Abrindo o verbo sobre a Ucrânia
Agora, enquanto aguarda a aprovação parlamentar, Merz tem antecipado seus planos como futuro chanceler federal. Ele gosta de enfatizar que já há vários meses tem estado em contato regular com chefes de governo europeus e a liderança da União Europeia (UE). Antes do recesso de verão, planeja visitar o presidente republicano Donald Trump nos EUA.
Nessa veia extrovertida, numa entrevista de uma hora à emissora ARD, antes da Páscoa, Merz revelou que pretende manter a assistência militar à Ucrânia invadida pela Rússia, ultrapassando decididamente a "linha vermelha" traçada pelo chanceler federal em exercício, Olaf Scholz.
Poucas horas antes do programa televisivo, um míssil russo matara dezenas de civis e ferira mais de 100 na cidade ucraniana de Sumy. Merz definiu o ato como "um grave crime de guerra", e acenou com a perspectiva de a Alemanha fornecer mísseis de cruzeiro Taurus para o país sob ataque.
A seu ver, essas armas de longo alcance e alto impacto poderiam representar uma pressão séria sobre a Rússia. Entretanto ressalvou: "Eu sempre disse que só vou fazer isso em coordenação com os nossos parceiros europeus."
Afinal, o Reino Unido, França e EUA já estariam suprindo Kiev com mísseis de cruzeiro, portanto a Alemanha "deveria também participar" – de maneira coordenada. A seu ver, as forças armadas ucranianas precisam "abandonar a posição defensiva, tudo o que elas fazem é reagir", a fim de "poder exercer algum controle sobre o que está acontecendo".
Na entrevista, o democrata-cristão chegou até a mencionar a possibilidade de a Ucrânia destruir a ponte da Crimeia, uma conexão estratégica chave entre a Rússia e a península ucraniana ilicitamente anexada.
Com essa retórica tão frontal e detalhada, Merz se posiciona em contraste total com o social-democrata Scholz, que se opõe consequentemente à entrega de mísseis Taurus e a qualquer escalada na guerra da russa contra a Ucrânia.
Aproximação com AfD e fim do freio de dívidas
O apoio continuado à Ucrânia é apenas um elemento de uma reviravolta política mais ampla pós-eleição na Alemanha, motivada em parte pelas políticas da nova presidência americana – uma guinada que por vezes tem comprometido a credibilidade de Merz.
Um exemplo foi o rompimento do "cordão sanitário" que as principais siglas políticas do país se comprometeram a manter contra a Alternativa para a Alemanha (AfD) – agora oficialmente classificada como uma sigla de extrema direita. Poucos dias antes da eleição de fevereiro, Merz aceitou o apoio do partido em diversas votações parlamentares sobre o endurecimento das leis de imigração.
Assim os conservadores cristãos defenderam sua maioria parlamentar – ao lado do Partido Liberal Democrático (FDP), pró-empresariado – contra o bloco formado pelo SPD e o Partido Verde. Essa manobra, contudo, provocou repulsa entre políticos e sociedade civil alemães.
Outro episódio que abalou a credibilidade de Merz e seus correligionários foi a queda do "freio de dívidas": por meses, o líder e outros políticos conservadores alemães vinham insistindo na importância de respeitar esse mecanismo que limita o endividamento nacional, e apelando por disciplina fiscal.
Essa postura mudou bruscamente com o início das negociações de coalizão entre a CDU/CSU e o SPD: em meados de março, ambas as câmaras parlamentares do país aprovaram uma decisão historicamente inédita: cairia o teto máximo para os gastos em defesa. Na ocasião aprovou-se ainda um superpacote de gastos de 500 bilhões de euros (R$ 3,17 trilhões) para investimentos na periclitante infraestrutura nacional.
"Temos grandes tarefas pela frente", afirmou Merz em sua entrevista televisiva, "e elas exigem respostas apropriadas", acrescentando que não olha "as pesquisas de opinião todo dia", e que desejava uma Alemanha "mais ousada e mais otimista" novamente.
O democrata-cristão anunciou a intenção de fortificar a confiança dos cidadãos alemães: "Nós somos um grande país, com mais de 80 milhões de habitantes que vivem e trabalham aqui e cuidam de suas famílias", e ele quer "mostrar que esse esforço vale a pena".
Para assumir como chanceler federal, Friedrich Merz só precisa de uma maioria absoluta no Bundestag. Embora nos últimos meses tudo aponte para sua eventual eleição, mesmo que ele perca, a votação já representa um ponto alto numa carreira extremamente inusitada.