Durou pouco o discurso de frente ampla no governo Lula. Os ataques coordenados pelo mandatário com o PT e seus aliados contra o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, não visam apenas atingir um “infiltrado” do bolsonarismo, nem procuram somente criar um bode expiatório contra os resultados pífios na economia já contratados para 2023. Eles buscam mostrar que o programa econômico é de Lula e de sua legenda, sem concessões.
A economia é a área mais sensível da gestão, e será aquela que definirá o seu sucesso (ou fracasso). Lula nunca cedeu espaço nesse setor, apesar de ter abrigado Simone Tebet no Ministério do Planejamento. Geraldo Alckmin também faz figuração no Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, mas apenas porque o petista ainda sonha em colocar um empresário de peso como fiador do novo governo – o que até hoje não conseguiu.
Fernando Haddad é um avatar de Lula para gerenciar a economia, mas quem de fato dará as cartas é o presidente. É uma péssima notícia. Lula já deixou claro que não replicará seu primeiro mandato (2003-2006), quando respeitou o tripé macroeconômico estabelecido pelo Plano Real. Pretende, tudo indica, aprofundar o que iniciou em sua segunda gestão (2007-2010), com forte intervenção estatal e uma política antimercado. Essa ideia desenvolvimentista foi aprofundada por Dilma Rousseff, com o resultado conhecido.
Uma das principais bandeiras nefastas do governo Dilma foi exatamente baixar a Selic “na marra”, o que desorganizou o mercado financeiro, fez disparar a inflação e, no final, levou à disparada dos próprios juros. Hoje, a ex-presidente se sente à vontade para voltar a vociferar, sem constrangimentos, para defender a intervenção na Selic, como se todos tivessem apagado da memória o colapso da sua gestão, que levou à maior recessão da história.
Esse negacionismo não acontece apenas na economia. O PT já celebra a volta de seu velho protagonismo. Na festa de 43 do partido, nesta segunda-feira, 13, Zé Dirceu foi uma espécie de convidado de honra, comemorando e sendo paparicado como grande líder. A legenda já deixou para trás todos os escândalos de corrupção e os erros crassos na economia, que geraram há poucos anos mais pobreza e instabilidade institucional.
Isso faz parte do jogo, e Lula tem todo o direito de moldar seu terceiro mandato como quiser. Mas não conseguirá insistir na falácia de que compôs uma gestão de frente ampla. Em um mês, já montou um cercadinho petista para criticar todos os economistas ou analistas que discordam da sua política econômica. É o PT, por meio de sua presidente, que filtra as nomeações em todos os ministérios, em todos os escalões. E a mão pesada do partido já escanteou na prática todas as iniciativas do “centro democrático”, falecido nas eleições do ano passado. Esse é um governo do PT, chapa pura.
De novo, isso faz parte do jogo. Mas com as pretensões hegemônicas do PT, e a recusa do partido em admitir qualquer equívoco (ou malfeito), isso indica que os erros vão se reproduzir (começando pela economia) e a polarização vai se agravar. O terraplanismo econômico é apenas uma consequência da cegueira ideológica e da incompreensão de que o Brasil já é outro, mais complexo politicamente, menos dócil à propaganda populista que fermentava nas assembleias do passado e menos suscetível às palavras de ordem anacrônicas. Atacar os juros como “vergonhosos” ou chamar o mercado de “insensível” parece ser a nova versão do velho “Fora FMI”, mote anticapitalista que embalou a esquerda até os 90.
O País hoje aposta no “empreendedorismo” e no aumento de produtividade do trabalhador, e não em investir contra os patrões. Até porque houve uma forte desindustrialização, em parte por culpa do próprio PT, que também esvaziou os sindicatos, e a “especulação” financeira caiu no gosto da classe média. Taxar os juros altos de estratégia “rentista” soa démodé, para dizer o mínimo. O próprio Haddad, que tenta se mostrar moderado (ou com jeito de “tucano”, como uma vez Lula brincou), pode se tornar vítima da militância. Já começou o ataque especulativo contra ele, e o serpentário petista tenta emplacar um novo titular na Fazenda, mais com cara de Aluizio Mercadante. É isso uma frente ampla?