Freire Gomes é questionado por Moraes após mudança de relato sobre trama golpista

Marco Antônio Freire Gomes
Marco Antônio Freire Gomes (à direita) e o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) Foto: Reprodução

O general Marco Antônio Freire Gomes, ex-comandante do Exército, foi advertido durante audiência na Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal) por uma divergência em relação ao depoimento dado à Polícia Federal, na condição de testemunha, sobre uma tentativa de golpe de Estado para manter Jair Bolsonaro (PL) no poder após as eleições de 2022.

Aos policiais, o general relatou que o ex-presidente reuniu os comandantes das Forças Armadas para apresentar a proposta de ruptura e disse que o almirante Almir Garnier, que chefiava a Marinha, colocou suas tropas à disposição — ao contrário do que ele e o tenente-brigadeiro Baptista Júnior, comandante da Aeronáutica, fizeram. Nesta segunda-feira, 19, no entanto, o conteúdo não se repetiu.

O senhor falseou a verdade na Polícia ou está falseando aqui“, questionou o ministro Alexandre de Moraes. Freire Gomes respondeu que “em 50 anos de Exército, jamais mentiria” e que, na reunião, Garnier disse que “estava com o presidente“, mas não poderia interpretar essa fala.

Em linhas gerais, o general confirmou à Primeira Turma do STF a versão dada aos policiais — incluindo o encontro com Bolsonaro. Freire Gomes, vale lembrar, foi ouvido como testemunha no Supremo, mas o tribunal já tornou réus 21 dos 34 denunciados pela PGR (Procuradoria-Geral da República) por suposta participação na trama. Se forem condenados, eles poderão pegar mais de 43 anos de prisão.

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Sem voz de prisão

O ex-comandante negou ainda que tenha dado voz de prisão a Bolsonaro durante essa reunião.

Não aconteceu isso [voz de prisão], de forma alguma. Eu alertei ao presidente que se ele saísse dos aspectos jurídicos, além de não concordamos com isso, ele seria implicado juridicamente”, afirmou.

Os sinais ambíguos de Freire Gomes

Militar de carreira, Freire Gomes assumiu o comando das tropas verde-oliva em março de 2022, quando Paulo Sérgio Nogueira foi para o Ministério da Defesa de Bolsonaro. Na ocasião, a corporação já havia sido escalada para formar uma Comissão de Fiscalização e acompanhar o processo eleitoral daquele ano.

Em depoimento à PF, o general afirmou ter relatado a Bolsonaro que o Exército não encontrou qualquer prova de fraude na votação — argumento usado pelo incumbente e seus aliados para embasar a suposta necessidade de uma revisão do pleito.

O relatório divulgado pela Força após o segundo turno, no entanto, dizia que os fardados não tiveram acesso ao código fonte das urnas, o que contribuiu para alimentar as suspeitas bolsonaristas. Segundo o TSE (Tribunal Superior Eleitoral), o relato não procedia.

Enquanto isso, acampamentos eram montados em frente a quartéis-generais do Exército por todo o país. Em 11 de novembro, com os manifestantes pedindo intervenção militar a plenos pulmões, os três comandantes das Forças Armadas divulgaram uma nota que não condenava os protestos e transmitia mensagens ambíguas em relação à atuação do Judiciário.

Na mesma data, Freire Gomes orientou suas tropas a não desmobilizarem os acampamentos — mais tarde, os policiais apuraram que essa mobilização popular pelo questionamento do processo eleitoral teve participação dos indiciados no financiamento e organização.

No período, seus comandados das Forças Especiais (os “kids pretos”, treinados em operações de contra-inteligência, insurreição e guerrilha) elaboravam um plano para consumar um violento golpe de Estado, com participação estratégica do coronel Nilton Diniz Rodrigues, seu assistente. No relatório da PF, não há informação de que o comandante tinha conhecimento de que isso acontecia.

No entanto, a “minuta do golpe”, documento elaborado por Filipe Martins, ex-assessor da Presidência, e pelo advogado Amauri Saad para dar suposto embasamento jurídico à ruptura institucional, foi discutida na presença do ex-comandante em mais de uma oportunidade. Policiais ainda encontraram mensagens com menções ao documento endereçadas pelo tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Bolsonaro, ao general.

Tudo isso aconteceu antes de Freire Gomes se opor ao plano. O Código Penal Militar prevê pena de detenção de seis meses a dois anos para um fardado que “retardar ou deixar de praticar ato de ofício”, o que configura prevaricação. Neste caso, o enquadramento poderia ocorrer pela falta de reação pública ou denúncia da trama às autoridades.

“[As investigações dão conta de que] a posição contrária do General influenciou a derrocada da intenção golpista. Nesse contexto, não vejo configurada a prevaricação“, afirmou Fernando Castelo Branco, advogado criminal e coordenador da ESA (Escola Superior de Advocacia), à IstoÉ.

Por fim, Freire Gomes se opôs à tentativa de ruptura e virou alvo de ofensas e tentativas de pressão pública e privada para mudar de opinião. Walter Braga Netto, candidato a vice derrotado com Bolsonaro, chegou a chamá-lo de “cagão” nas investidas, mas o general se manteve resistente.

Os sinais ambíguos de Freire Gomes, comandante do Exército durante a trama golpista

Já com a trama frustrada, o comandante e seus pares cogitaram não realizar a passagem do cargo aos nomeados pelo presidente Lula (PT), no que seria um sinal de insubordinação ao novo chefe do Palácio do Planalto — e, por consequência, das Forças Armadas — e fidelidade ao ex-presidente, mas foram demovidos da ideia pelo ministro da Defesa do petista, José Múcio, conforme reportou o jornal O Estado de S. Paulo.

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