O papa Francisco acaba de completar cinco anos de Pontificado e vem deixando uma marca ao pedir uma Igreja Católica Romana mais acolhedora e aberta ao diálogo. Sua postura, porém, é quase tão polêmica quanto a própria vida de Jesus Cristo. A história mostra que Cristo reunia multidões, mas desagradava muitos que eram apegados a antigas regras e tradições, resistentes aos seus ensinamentos. O mesmo acontece com o Papa Francisco. Frases como “Se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?” perturbam católicos conservadores que temem distorções a respeito da doutrina da Igreja. Por outro lado, incomodam progressistas que desejam mudanças nos dogmas do catolicismo. “A Igreja sempre teve o princípio de que Cristo e a Igreja condenam o pecado, mas amam o pecador. Sendo assim, a doutrina procura deixar claro o que considera pecado, mas também se preocupa em garantir no terreno pastoral a acolhida a quem pecou”, diz o sociólogo Francisco Borba, coordenador do Núcleo de Fé e Cultura da PUC-SP. “Na prática, o pecado nunca pôde ser uma objeção à acolhida ao pecador, mas isso ainda é muito estranho na nossa sociedade”, diz ele.

“Se uma pessoa é gay, busca Deus e tem boa vontade, quem sou eu para julgá-la?”

Não são poucas as frases polêmicas do papa. “Os chefes da Igreja com frequência são narcisistas, adulados por seus cortesãos. A corte é a lepra do papado”, afirmou. “Quantas vezes ouvimos pessoas dizerem ‘se essa pessoa é católica, é melhor ser ateu’” ou “as uniões de fato ou de pessoas do mesmo sexo, por exemplo, simplesmente não podem ser equiparadas ao casamento” são apenas alguns exemplos de afirmações surpreendentes. “Ele quer tornar a Igreja mais acessível ao mundo moderno, diminuir distâncias para que as pessoas possam acessar seus benefícios”, diz Austen Ivereigh, vaticanista autor de “Francisco, o Grande Reformador – Os caminhos de um Papa Radical”.

“Quantas vezes ouvimos pessoas dizerem ‘se essa pessoa é católica, é melhor ser ateu’?”

Um papa não pode mudar os dogmas da Igreja Católica, que para o catolicismo são vistos como fruto de revelações de Deus e verdades absolutas e definitivas, mas ele pode mudar normas e procedimentos ligados a sua organização institucional, além de ter o dever de aperfeiçoar o entendimento da doutrina. E é isso que Francisco está buscando. Uma de suas ações nesse sentido foi o anúncio do Jubileu da Misericórdia, um ano em que as pessoas foram convidadas a procurar pelo Cristo do catolicismo com mais vigor. Portas de igrejas foram abertas como símbolo de que todos são convidados à Igreja de Roma. Francisco também instituiu que todos os sacerdotes podem absolver os fiéis que realizarem aborto, pecado considerado grave pela Igreja Católica — antes, os padres precisavam da autorização do bispo para conceder a absolvição. Outra mudança foi em relação ao reconhecimento de casamentos nulos, procedimento que já era permitido em motivos considerados justos, como coação para casar ou segredos não revelados antes do matrimônio, além de outros motivos previstos no código de direito canônico. Esse processo se tornou mais simples e rápido com Francisco. “A abertura que o papa faz para homossexuais ou divorciados e recasados está em linha com o que o magistério precedente sempre fez”, diz o padre José Eduardo de Oliveira e Silva, da diocese de Osasco. “Ele apenas reafirma aquilo que na verdade já era de praxe na Igreja”, diz ele.

“Os chefes da Igreja com frequência são narcisistas, adulados por seus cortesãos”

O estilo de Francisco tem alcançado seu objetivo. Um exemplo é o crescimento da participação de gays em atividades de igrejas católicas. Em Belo Horizonte foram criadas Pastorais da Diversidade Sexual em duas igrejas. “O nosso objetivo é receber e ouvir. As pessoas chegam com muitas feridas porque sofrem reconceitos e discriminações dentro da própria família”, diz Filipe Marcelino, coordenador do encontro na Paróquia São Francisco das Chagas, em que um grupo de cerca de 20 pessoas se reúne quinzenalmente para falar sobre amor e ensinamentos cristãos. “A gente sabe claramente o que a doutrina afirma, mas não temos uma postura de condenação. Primeiro somos fiéis a Jesus e acolhemos com amor”, diz Marcelino.

“Esta visão Vaticano-cêntrica esquece o mundo ao redor. Farei de tudo para mudá-la”

DIÁLOGOS Além de se manifestar sobre o papel da Igreja, o papa toma partido em questões sociais, ambientais e diplomáticas (Crédito:Vincenzo Pinto)

Corrupção no clero

O argentino Jorge Mario Bergoglio, nome de batismo do religioso que escolheu ser chamado de Francisco, se tornou papa em um momento em que a Igreja Católica precisava de um líder comunicador e capaz de enfrentar problemas causados por membros da alta corte da Igreja, como disputas por poder e corrupção. Para isso, endureceu a legislação e tornou os processos e expedições de documentos mais ágeis, com o objetivo de combater a corrupção eclesiástica, bem como a pedofilia. Maior canonizador da história, Francisco também se destaca por suas manifestações sobre problemas sociais, como aquecimento global, marginalização de vulneráveis e relações diplomáticas estremecidas, como quando contribuiu para a aproximação histórica entre os Estados Unidos e Cuba.

“A Igreja é como um hospital de campanha depois da batalha. Que inútil perguntar a um ferido se tem colesterol! É necessário curar as feridas. Depois falaremos sobre o resto”

Sua principal marca, no entanto, pode ser entendida no nome que elegera para seu pontificado e que vem regendo suas atitudes como Chefe de Estado do Vaticano. Assim como Francisco de Assis, santo evangelizador que vivia a pobreza e buscava imitar a vida de Cristo, Bergoglio enfatiza essa coerência em seus discursos e atitudes, como quando abre mão de privilégios, visita os necessitados e consola pessoas que sofrem. Sua maior luta, agora, é fazer com que essas atitudes sejam vividas por outros membros do clero. “A principal transformação que o papa Francisco traz para a Igreja é mostrar às pessoas que tem compromissos eclesiais que isso deve ser feito em espírito evangélico e não em busca de privilégios, fama e poder”, diz o padre Antonio Manzatto, professor de Teologia da PUC-SP. “A palavra dele tem um valor enorme, mas isso não garante que as pessoas ajam conforme ele falou”, diz o sociólogo Francisco Borba. Agora seus admiradores torcem para que Francisco, aos 81 anos, tenha tempo suficiente para fazer os aperfeiçoamentos necessários na instituição que lidera.

“Prefiro uma Igreja acidentada, ferida e enlameada por ter saído pelas estradas, do que uma Igreja enferma pela oclusão e a comodidade de se agarrar às próprias seguranças”