O julgamento de um francês importante no mundo cultural da Suécia acusado de dois estupros, revelados em pleno movimento #MeToo, começou nesta quarta-feira em um tribunal de Estocolmo, com o Prêmio Nobel como pano de fundo.

Jean-Claude Arnault, 72 anos, casado com uma integrante da Academia Sueca que concede desde 1901 o prêmio Nobel de Literatura, não fez nenhuma declaração ao chegar ao tribunal, “rejeita as acusações”, anunciou aos juízes o advogado de defesa, Björn Hurtig.

Como acontece com os casos de agressões sexuais, o tribunal determinou que a audiência aconteça a portas fechadas, sem a presença de jornalistas.

A vítima dos dois estupros, que não teve a identidade revelada, é representada por Elisabeth Massi Fritz, advogada sueca especializada na defesa das mulheres.

Arnault foi uma personalidade influente do mundo cultural em Estocolmo até o escândalo provocado pelo caso do produtor americano Harvey Weinstein.

O Foro, um clube muito seleto dirigido por Arnault, era visitado por toda a ‘intelligentsia’ de Estocolmo. Várias jovens, fãs de literatura, tentavam, entre uma apresentação de jazz ou uma leitura de Proust, se aproximar de um editor ou um escritor famoso.

Assine nossa newsletter:

Inscreva-se nas nossas newsletters e receba as principais notícias do dia em seu e-mail

Um mês depois das acusações, em outubro de 2017, de estupros e abusos sexuais contra o produtor Harvey Weinstein, o jornal Dagens Nyheter (DN) publicou os depoimentos anônimos de 18 mulheres que afirmaram ter sido agredidas ou assediadas por Jean-Claude Arnault.

O escândalo provocou um terremoto na Academia, instituição com a qual Arnault mantinha estreitos vínculos artísticos e financeiros.

Uma investigação interna demonstrou que várias acadêmicas, ou esposas e filhas de acadêmicos, também sofreram com a “intimidade não desejada” e os comportamentos “inapropriados” do acusado.

Arnault é acusado por dois estupros contra a mesma demandante. Ele pode ser condenado de dois a seis anos de prisão.

– “Intenso medo” –

Em 5 de outubro de 2011, em um apartamento de Estocolmo, Arnault obrigou a mulher a uma “relação oral” e depois a uma penetração vaginal, quando a jovem se encontrava em “estado de vulnerabilidade e de intenso medo”, o que a impediu de defender-se, afirma o documento de acusação consultado pela AFP.

Os atos teriam se repetido na madrugada de 2 para 3 de dezembro de 2011, no mesmo apartamento, quando a vítima dormia.

Parte da investigação preliminar aberta contra Arnault por outros supostos estupros ou agressões sexuais cometidas entre 2013 e abril de 2015 foi arquivada, por falta de provas ou prescrição.

A escritora Elise Karlsson, uma das mulheres a falar com o jornal DN, trabalhava com o francês em 2008, quando afirma ter sido assediada.

“Senti as mãos deles nas minhas nádegas. Em nenhum momento havia mostrado interesse. Estava em choque”, afirmou à AFP no ano passado.

“Eu disse: ‘não toque em mim’ e dei um tapa, antes de fugir. Ele veio na minha direção e afirmou que eu nunca encontraria um trabalho”.


– Academia em ruínas –

De acordo com o jornal Svenska Dagbladet, Jean-Claude Arnault nasceu em 1946 em Marselha (sul da França), filho de refugiados russos. Ele teria se mudado para a Suécia nos anos 1960 para estudar Fotografia.

Arnault se gabava de ser o “19º membro” da Academia. De acordo com depoimentos, ele anunciava o nome dos futuros vencedores a seus amigos.

O caso revelou um funcionamento opaco da Academia — uma rica instituição privada fundada em 1786 com base no modelo da Academia francesa —, assim como seus conflitos de interesse, jogos de influência e a cultura do silêncio reinava no local.

Oito acadêmicos renunciaram de forma definitiva ou temporária, incluindo a secretária perpétua, Sara Danius. A atribuição do Nobel de Literatura de 2018 foi adiada para 2019, enquanto a instituição, em ruínas, tenta uma difícil reconstrução.

A Academia deve escolher em breve os novos integrantes, que decidirão os vencedores do Nobel de 2018 e 2019.


Siga a IstoÉ no Google News e receba alertas sobre as principais notícias