A liberdade de abortar “continua em perigo”, advertiu nesta segunda-feira (4) o primeiro-ministro francês, Gabriel Attal, no início de um debate parlamentar que tornará a França o primeiro país a proteger esta prática em sua Constituição, após vários reveses no mundo.

“Digo a todas as mulheres, dentro de nossas fronteiras e além, que começa a era de um mundo de esperança”, assegurou Attal, após destacar que o procedimento no mundo está “à mercê daqueles que decidem”.

Os ex-presidentes Donald Trump e Jair Bolsonaro e os atuais líderes da Argentina, Javier Milei, e Hungria, Vikto Orban, são alguns dos representantes que a esquerda utilizou como exemplo de ameaça ao aborto.

Vestida de verde “em homenagem às mulheres argentinas”, a deputada de esquerda Mathilde Panot dedicou esta “vitória” a todas as mulheres do mundo que “lutam para decidir sobre seus corpos”.

Quase meio século depois de sua descriminalização na França, existe um grande apoio social, mas a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos em 2022 de deixar de reconhecê-lo como direito federal soou os alarmes.

A ilustre sala do Congresso, criada no final do século XIX no Palácio do Versalhes, ao sudoeste de Paris, é o cenário do debate entre senadores e deputados que encerra um longo processo legislativo, impulsionado pela esquerda e a base do governo, meses depois do retrocesso americano.

Sua inscrição necessita do apoio de 60% dos legisladores presentes, o que deve ocorrer com folga. Dos 925 deputados e senadores franceses, 760 já deram opinião favorável nos votos unicamerais.

Antes da histórica decisão da França, o Chile tentou introduzir o direito às mulheres a “uma interrupção voluntária da gravidez” em seu projeto de nova Constituição em 2022, que os chilenos rejeitaram no referendo.

No lado oposto, alguns países proíbem implicitamente o aborto em sua Constituição ao garantir o direito à vida desde a concepção, como no caso da República Dominicana, Filipinas, Madagascar, Honduras e El Salvador.

“Se eu fosse francesa, estaria lutando por esta mudança constitucional”, disse em 2023 ao jornal francês Libération a líder feminista salvadorenha Morena Herrera, para quem isto “terá repercussões no resto do mundo”.

Para comemorar a votação, a Torre Eiffel projetará uma mensagem “com uma luz especial cintilante”, anunciou a empresa que gere este monumento francês.

– “Suprimir uma vida humana” –

Os discursos na sessão prestaram homenagem às francesas que lutaram pelos direitos das mulheres, desde a filósofa Simone de Beauvoir, até a advogada Gisèle Halimi, que em outubro de 1972 conseguiu absolver uma jovem de 16 anos que realizou um aborto após um estupro.

Sob o ouro de Versalhes, os legisladores ficaram de pé para aplaudir a falecida ativista Simone Veil, sobrevivente do Holocausto, ícone da emancipação feminina e da descriminalização do aborto em França em 1975, como Ministra da Saúde.

Em 2022, o prazo para o procedimento aumentou até 14 semanas na França, onde o número de interrupções voluntárias da gravidez se mantém estável há duas décadas em cerca de 230.000 no ano. No entanto, o acesso é bastante difícil nas zonas rurais, segundo a deputada centrista, Éleonore Caroit.

Embora em torno de 80% dos franceses apoiem a proteção do direito ao aborto na Constituição, segundo pesquisas, bispos contrários à medida chamaram nesta terça-feira “ao jejum e à oração”.

“Na era dos direitos humanos universais, não pode existir um ‘direito’ a suprimir uma vida humana”, afirmou em um comunicado a Pontifícia Academia para a Vida, órgão do Vaticano que se encarrega das questões de bioética.

Após a aprovação prevista no Congresso, a cerimônia final de inscrição do aborto na Constituição, com a presença de Macron, poderá ser realizada em 8 de março, Dia Internacional da Mulher, segundo uma fonte próxima.

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