A estrela Joséphine Baker, figura da resistência contra a ocupação nazista e da luta antirracista, será a primeira mulher negra a entrar no Panteão da França nesta terça-feira (30), em uma cerimônia “memorável” 46 anos após sua morte.

“Esta manhã é de alegria e emoção. Amanhã será memorável”, disse ontem seu filho Brian Bouillon-Baker à rádio France Inter, destacando que sua mãe, nascida nos Estados Unidos e nacionalizada francesa, é um exemplo da “fraternidade universal”.

A “Vênus de Ébano” nasceu em 3 de junho de 1906 em Saint Louis (Estados Unidos) como Freda Josephine McDonald e, apesar de ter crescido na pobreza e na segregação e ter casado duas vezes aos 15 anos, conseguiu assumir as rédeas de uma vida excepcional.

Baker, que ascendeu ao estrelato na França durante os “Anos Loucos”, aproveitou a fama para trabalhar como agente de contraespionagem para o general Charles De Gaulle durante a ocupação nazista.

E, após a Segunda Guerra Mundial, ela se juntou à luta contra o racismo, sendo a única mulher a fazer um discurso com Martin Luther King em 28 de agosto de 1963, durante uma marcha pelos direitos civis em Washington.

A cerimônia, no templo localizado no coração do Quartier Latin de Paris, vai recordar múltiplos aspectos de sua “incrível vida”, toda ela voltada “à busca pela liberdade e justiça”, segundo a Presidência francesa.

“A França me tornou o que sou e serei eternamente grata. Pode dispor de mim como quiser”, disse a artista ao oferecer seus serviços no outono de 1939 a um oficial da contraespionagem.

Ela também incorporou seus valores ao adotar 12 crianças de diferentes partes do mundo para formar sua “tribo arco-íris” no castelo de Milandes (sul).

– “Seres que nunca se apagam” –

Joséphine Baker, que recebeu a Legião de Honra francesa e a Cruz de Guerra em vida, será a sexta mulher a se tornar “imortal”, como a física Marie Curie em 1995 e a arquiteta da lei do aborto na França Simone Veil em 2018.

“Aqui estou eu de novo, Paris. Não nos vemos há muito tempo”. Com estas palavras começa a canção “Me revoilà Paris”, que marcará o início da cerimônia marcada para as 17h30 (13h30 de Brasília) perante centenas de pessoas, 46 anos após a sua morte.

Como manda a tradição, os militares transportarão seu caixão, que não conterá, no entanto, seus restos mortais, mas sim as terras de Saint Louis, de Paris, do castelo de Milandes e de Mônaco, onde viveu seus últimos dias e onde seu corpo continuará a descansar.

“Existem seres que nunca se apagam”, disse na segunda-feira Albert II durante uma homenagem no Principado antes de sua ‘panteonização’. O soberano retomou as palavras de sua mãe, Grace Kelly, que era amiga íntima de Joséphine Baker.

A cerimônia em Paris também contará com a projeção de imagens e a interpretação de sua famosa canção “J’ai deux amours”, antes do discurso do presidente Emmanuel Macron após a passagem simbólica da ícone negra sob a inscrição “Aos grandes homens”.

Com a entrada desta artista atípica no Panteão, reservado quase exclusivamente aos homens – políticos, heróis de guerra ou escritores – Macron rompe com o perfil habitual dos “imortais”, menos de cinco meses antes da eleição presidencial.

E, num momento em que a escolha de Baker se conecta com as lutas recentes por maior visibilidade e defesa dos negros e mulheres na esfera pública, o Eliseu garantiu que não há mensagem política por trás.

“Houve realmente um consenso muito amplo em torno dessa panteonização”, disse um conselheiro. Fato incomum em uma campanha eleitoral polarizada, da esquerda à extrema direita, os diversos candidatos elogiaram sua figura.

Além do cenotáfio, seu nome será imortalizado no metrô parisiense que nesta terça-feira adicionará as palavras “Joséphine Baker” à estação “Gaîté” (alegria, em francês). “Essas duas palavras combinam muito bem”, disse seu filho Brian ao TV5 Monde.