Quem acompanha a trajetória do fotógrafo Sebastião Salgado está acostumado tanto às imagens deslumbrantes da natureza quanto aos intensos dramas do ser humano, sempre registrados em seu marcante estilo em preto e branco ­— um contraponto artístico à realidade, de tantas matizes e complexidades. Mas quando teria surgido esse estilo, tão identificado com seu nome, que o tornou um dos artistas visuais mais reconhecidos do planeta? Radicado na Europa há décadas, Salgado está no Brasil para inaugurar a exposição 50 Anos da Revolução dos Cravos em Portugal, onde é possível ver a formação de seu olhar.

Composta por cerca de 50 imagens inéditas do início de sua carreira, a mostra revela os primeiros cliques do que viria a ser uma combinação única de militância política, denúncia social e beleza estética.

Sebastião Salgado mudou-se para a França com a mulher, Lélia, em 1969, quando saíram do País após o aumento da repressão promovida pela ditadura militar. Ambos eram conhecidos militantes de esquerda e, com receio de serem presos e torturados, decidiram exiliar-se em Paris.

Ele era fotógrafo havia apenas um ano quando viu eclodir em Lisboa um momento que lhe pareceu histórico. Estava certo. Embora o Brasil ainda vivesse sob as duras rédeas do regime militar, a situação tinha mudado em Portugal: estava em curso a Revolução dos Cravos, movimento que surgiu para depor o Estado Novo, a ditadura mais longeva da Europa, que já durava 41 anos. Era o último suspiro do regime herdado do ditador Antônio Salazar, que tomara o poder em 1933, mas que se afastara em 1968 por problemas de saúde — ao se preparar para ser atendido por um calista, caíra da cadeira e batera a cabeça no chão, o que lhe custou o equílbrio e a sanidade.

Fotos da Revolução dos Cravos exibem os primórdios do estilo de Sebastião Salgado
Soldados leem jornal em Lisboa enquanto rebeldes tomam o poder em Moçambique (abaixo): cotidiano do conflito (Crédito:Divulgação )
Fotos da Revolução dos Cravos exibem os primórdios do estilo de Sebastião Salgado
(Divulgação)

Salgado e Lélia rumaram para Portugal e fotografaram a população nas ruas distribuindo aos soldados cravos vermelhos, que eram colocados nos canos de seus fuzis. Com seu olhar privilegiado, o brasileiro não precisou sequer mostrar a cor vibrante das flores para produzir registros espetaculares.

Mas é justo reconhecer também que havia um sentimento especial no ar. Os portugueses estavam tão cansados da ditadura que a revolução, curiosamente, unia civis e militares contra o governo. Os ventos de liberdade se espalharam e chegaram também às colônias portuguesas na África, entre elas Angola e Moçambique, que aproveitaram o momento para pegar em armas e conquistar suas independências. Salgado viajou para lá e documentou em imagens o bem sucedido levante africano contra as tropas portuguesas.

Maio no MIS

As fotos de Sebastião Salgado fazem parte do festival Maio Fotografia, evento que volta ao Museu da Imagem e do Som (MIS), em São Paulo. Há séries individuais de outros fotógrafos, entre eles Sergio Poroger, que faz um resgate dos cinemas de rua do Brasil e do mundo. “Passei por cenários diversos, dos grandes centros a pequenas localidades, ao redor do mundo, onde aprendi sobre os costumes dos povos a partir do que vemos e preservamos. Cada qual à sua maneira, os cinemas de rua ilustram dinâmicas sociais das cidades onde estão”, afirma Poroger.

Há ainda trabalhos de Thereza Eugênia, fotógrafa baiana que registrou de forma íntima o convívio de artistas brasileiros no Rio de Janeiro das décadas de 1960 a 1980; Gabriel Chaim, experiente fotojornalista paraense, que cobriu diversas guerras, em registro dos seus últimos dez anos na linha de frente; e Bruno Mathias, voltado para as paisagens tradicionais ­­— diversos olhares brasileiros sobre um mundo em transformação.

Sebastião Salgado, especial para ISTOÉ
“Fotos marcam meu início de carreira”

“Essa exposição é muito importante para mim porque ela mostra o início da minha trajetória. Estão expostos trabalhos feitos em 1974, e eu havia começado a fotografar no ano anterior. Tinha, portanto, apenas um ano de carreira quando realizei essas imagens. Elas contam a história de um povo, de uma revolução, da instalação da democracia em Portugal. Mas também do fim do colonialismo na África e da instalação de um novo poder africano nessas novas nações, que acabavam de deixar de ser colônias. Eu fico feliz de finalmente apresentar essa mostra no Brasil, porque Portugal e Brasil são países muito próximos. E a grande maioria das pessoas que abandonaram as colônias portuguesas naquela época não voltaram para Portugal, mas vieram para o Brasil. Então, para mim, é um prazer imenso apresentar essa exposição aqui em São Paulo.”

Fotos da Revolução dos Cravos exibem os primórdios do estilo de Sebastião Salgado
(Sebastião Salgado; BENJAMIN CREMEL/AFP)