O Bonacynodon schultzi teria sido um animal com cerca de 30 centímetros
O Bonacynodon schultzi teria sido um animal com cerca de 30 centímetros (Crédito:Jorge Blanco/PLOS One)

Duas novas espécies de animais pré-históricos brasileiros foram descobertas por um grupo de pesquisadores do Rio Grande do Sul. As criaturas fazem parte da família de seres conhecida como cinodontes, ancestrais diretos dos mamíferos. Os estudiosos esperam que as espécies recém-descobertas tragam elementos novos às pesquisas sobre a evolução dos mamíferos, que incluem os humanos. A dentição de uma dessas novas espécies, por exemplo, é mais parecida com a dos mamíferos do que com a de outros cinodontes conhecidos.

O cinodonte com essa dentição foi batizado Santacruzgnathus abdalai. Suas características foram descritas com base no fóssil de uma mandíbula encontrada na cidade gaúcha de Santa Cruz do Sul por pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Ao contrário do que se costuma imaginar quando o assunto é animal pré-histórico, o Santacruzgnathus abdalai, nascido há 230 milhões de anos, era pequeno: tinha cerca de 15 centímetros de comprimento. Seu nome é uma homenagem ao paleontólogo argentino Fernando Abdala.

 

A história da descoberta da segunda espécie de cinodonte recém-anunciada é curiosa. Os fósseis dos dois animais que serviram de base para o achado estavam nos arquivos do Museu de Ciências da Terra, no Rio de Janeiro, desde 1946. Eles foram descobertos, à época, pelo paleontólogo gaúcho Llewellyn Ivor Price, também no Rio Grande do Sul, mas no município de Candelária. Price, aliás, foi quem achou os ossos do maior dinossauro brasileiro já encontrado, anunciado nesta quarta-feira 5.

No caso da descoberta desse segundo cinodonte, os fósseis achados em 1946 são de dois crânios e duas mandíbulas de pequenos animais insetívoros, ou seja, que se alimentam de insetos. “Muito material que se coleta fica na coleção e anos podem passar até que um pesquisador se debruce sobre os fósseis”, explica Agustín Martinelli, paleontólogo argentino responsável pelo estudo que revelou as novas espécies. “Na época não se reconheceu a importância do material”, afirma ele. O trabalho faz parte de seu doutorado e a nova espécie, que não media mais que 30 centimetros, ganhou o nome de Bonacynodon schultzi, também em homenagem a dois importantes estudiosos da área – José Bonaparte e Cesar Schultz.

“Chamamos esse tipo de pesquisa de ‘paleontologia de gaveta’”, explica a professora da UFRGS Marina Bento Soares, que participou da pesquisa. “O fato de haver materiais tão antigos ainda sem estudo nos mostra que paleontólogos ainda são poucos no nosso país e, também, que muitas vezes materiais para serem estudados necessitam de financiamento, o que é difícil de conseguir.”

O que são os cinodontes e por que eles são importantes

A família dos cinodontes – o nome significa “dentes de cão” – abrangia uma variedade de animais herbívoros, omnívoros e carnívoros que habitaram a Terra no período Triássico, há cerca de 200 milhões de anos. Evolutivamente, eles desenvolveram dentes distintos entre si, provavelmente tinham sangue quente e corpo coberto de pelos. O porte desses seres era variado, e seus fósseis são encontrados em todo planeta. Isso acontece porque os cinodontes existiram numa época em que os continentes que conhecemos hoje se reuniam em uma massa única de terra – sem a separação de oceanos – chamada Pangeia. Posteriormente, a Pangeia se separaria, espalhando os vestígios desses animais por todo o planeta.

Ainda que os fósseis de cinodontes sejam encontrados e estudados em vários lugares do mundo, a região onde hoje está o sul do Brasil e o norte da Argentina se destaca como local de pesquisa. “É onde se concentra uma das melhores e maiores quantidades de exemplares do mundo”, diz Martinelli. Esses animais ancestrais são a principal fonte de informação sobre a origem dos mamíferos. Na comunidade científica, é consenso que eles precederam os mamíferos evolutivamente e por isso, os cinodontes são tratados como a principal fonte de informação sobre esse processo.

“Um dos maiores pontos de debate é sobre qual dos grupos de cinodontes avançados deram origem aos mamíferos”, diz a professora Marina Bento Soares. No artigo em que divulgaram a descoberta das novas espécies, os cientistas afirmam que o achado mostra a incompletude dos conhecimentos sobre o assunto. Eles acreditam que a variedade e qualidade de fósseis encontrados no cone-sul da América Latina “são e serão a base para estudos profundos e complexos sobre a transformação evolutiva de cinodontes em mamíferos”.