Estadistas e especialistas urgiram, nesta segunda-feira, a combater uma crise da água que ameaça o abastecimento de grande parte da humanidade, no primeiro dia do Fórum Mundial da Água, em Brasília.

“Há no mundo cerca de 2 bilhões de pessoas sem uma fonte segura de água em suas casas e sofrendo com a falta de saneamento”, e há “260 milhões de pessoas que precisam andar mais de meia hora para ter acesso à água. Simplesmente, não temos tempo a perder”, afirmou o presidente Michel Temer na abertura, no Palácio Itamaraty.

Com as mudanças climáticas e a crescente pressão demográfica como pano de fundo, os especialistas alertaram sobre as consequências do consumo desenfreado, a superexploração dos recursos naturais e a contaminação dos rios. E instaram a cooperação internacional para “compartilhar a água”, como diz o lema escolhido para este 8º Fórum Mundial, que acontecerá até sexta-feira.

No total, “97% dos recursos disponíveis de água no mundo estão em aquíferos transfronteiriços. A gestão eficiente das águas compartilhadas é um dos marcos da segurança hídrica”, afirmou Benedito Braga, presidente do World Water Council – entidade com sede em Marselha (França) que organiza o evento.

O Brasil, por onde passam 18% da água potável da Terra, é um caso que reflete a necessidade de ter um respaldo político na hora de empreender projetos de grande envergadura para assegurar o acesso à água de sua população.

O país iniciou em 2005 o planejamento da maior construção hídrica de sua história, a transposição do rio São Francisco, para combater a aridez da região nordeste.

A monumental transferência de água, uma obra avaliada em 9,6 bilhões de reais, levará água doce a quatro estados da região através de aquedutos, represas e estações de bombeamento ao longo de 477 km.

O projeto busca dar segurança hídrica a 12 milhões de brasileiros até 2019 e, eventualmente, abastecer também a pecuária e as atividades agrícolas.

“A transformação da região é absolutamente fantástica”, disse o ministro da Integração Nacional, Helder Barbalho, a correspondentes estrangeiros.

No entanto, Barbalho admitiu que há preocupações para assegurar que o leito do “rio doador” não diminua com esta operação.

– O evento –

O Fórum Mundial deve contar com a presença de 40.000 pessoas, entre elas 15 chefes de Estado e de governo e 300 prefeitos.

Pouco antes do início do fórum, a ONU publicou seu relatório anual focado em uma proposta para aumentar as infraestruturas “verdes”, inspiradas na natureza, como alternativa às barragens ou estações de tratamento de água.

Os processos naturais podem “atuar como reguladores, limpadores e fornecedores de água”, explicou Richard Connor, editor-chefe do relatório anual da ONU sobre o assunto, em entrevista coletiva em Paris.

Para enfrentar a situação atual, as obras de engenharia civil (as chamadas “infraestruturas cinzas”) já não são suficientes, diz ONU-Água e Unesco.

Não se trata de dispensá-las completamente, mas de procurar “a melhor combinação” entre infraestruturas “cinzas” e “verdes”, de acordo com Richard Connor.

O relatório usa como exemplo a política da cidade de Nova York de proteger suas três bacias hidrográficas.

Há duas décadas, a cidade de 8,5 milhões de habitantes preserva as florestas e remunera os agricultores menos poluentes.

O resultado é que Nova York “recebe as águas menos poluídas dos Estados Unidos”, de acordo com Connor, um processo que também economiza 300 milhões de dólares por ano em seu tratamento.

O Egito tem um projeto piloto nas zonas úmidas de Bilbeis, a 55 quilômetros do Cairo, que permitiu tratar águas residuais e irrigar eucalipto a um custo menor do que as soluções tradicionais.

“Estas soluções são rentáveis”, insiste Connor. “Antes de colocar asfalto e cimento em todos os lugares, deve-se pensar duas vezes e manter mais áreas verdes”.

No entanto, essas soluções permanecem “marginais”.

“Os dados precisos não estão disponíveis”, mas os investimentos nessas técnicas “parecem menos de 1% (…) do investimento total em infraestruturas e gerenciamento de recursos hídricos”, de acordo com o documento.