Carcomidas de velhas, as origens do foro privilegiado remetem ao século V, no fim do Império Romano. No Brasil, a primeira Constituição, promulgada em 1824, já previa a prerrogativa. Um artigo estabelecia um privilégio absoluto para o Imperador, considerado uma figura “inviolável e sagrada” que não poderia ser processado por nenhum crime. A partir daí, o alcance do privilégio só aumentou, o que fez com que cerca de 54 mil cidadãos passassem a gozar do direito de serem julgados por um foro especial. Além do presidente da República e do vice, garantem acesso à Justiça diferenciada deputados, senadores, ministros de estado, governadores, prefeitos, ministros de tribunais superiores, desembargadores, juízes federais e membros do Ministério Público. Na quinta-feira 2, o Supremo Tribunal Federal (STF) deu um passo importante no sentido de reduzir essa excrescência jurídica. O STF decidiu, por unanimidade, restringir a prerrogativa de foro concedida a deputados e senadores. Agora, ela se aplica somente a crimes que tenham sido praticados no exercício do mandato e relacionados unicamente com a atividade parlamentar. A decisão já estava praticamente consolidada desde maio do ano passado, mas o ministro Dias Toffoli pediu vistas e a matéria só foi finalizada agora com os votos remanescentes de Ricardo Lewandowski, Gilmar Mendes e o próprio Toffoli.

A partir de agora, um deputado ou senador denunciado, por exemplo, por roubo ou furto será julgado em primeira instância. Uma acusação por peculato ou por cobrança de propina para aprovar determinado projeto de lei, permanecerá no STF, mas já se trata de um avanço inegável. Embora a restrição atinja 594 deputados e senadores, o que corresponde a 1% do total de autoridades com prerrogativa de foro, estima-se que 95% das 540 ações contra políticos deverão ser enviadas do STF para instâncias inferiores. A decisão não alcança, no entanto, integrantes do Poder Judiciário e do Ministério Público, que hoje representam 79,2% das autoridades detentoras do privilégio. A benesse é um despautério para uma sociedade ainda extremamente desigual, onde a Justiça é célere para as pessoas comuns e incrivelmente paquidérmica na hora de julgar as lambanças cometidas pelas ditas excelências.

O foro foi reduzido para congressistas, mas o Brasil ainda possui um número absurdo de 54 mil pessoas com direito ao privilégio

1200 dias

O consultor legislativo da Câmara, Newton Tavares Filho, apresentou dados alarmantes que provam o quanto o foro contribui para o aumento da impunidade. Em 2003, o STF levava em média 277 dias para julgar processos contra autoridades com prerrogativa de foro. Em 2016, o prazo passou para 1.200 dias, um aumento de 346%. “Nenhum País estudado previu tantas hipóteses de foro como previu a Constituição Brasileira de 1988”, afirmou Newton Tavares. Na última semana, o Supremo deu o primeiro passo, mas para reduzir drasticamente o número de pessoas com direito ao foro especial somente a aprovação de uma Proposta de Emenda Constitucional (PEC). Portanto, ainda há uma longa jornada para exterminar de vez a tal elite judiciária.