A fonoaudióloga Bianca Rodrigues Lopes Gonçalves, de 33 anos, é suspeita de torturar crianças com Transtorno do Espectro Autista (TEA) durante consultas em sua clínica particular, localizada na cidade de Duartina, no interior de São Paulo. Ela terminou a graduação em 2009, depois fez mestrado e doutorado pela Universidade de São Paulo (USP), no campus de Bauru (SP). As informações são do G1.

Entre os anos de 2012 e 2013, Bianca se especializou na Prática Profissionalizante em Fluência e Linguagem Infantil. Depois, ela finalizou o mestrado em Ciências pelo Programa de pós-graduação em 2012 e concluiu o seu doutorado em 2017.

Ao completar 13 anos como fonoaudióloga, em 2022, Bianca decidiu abrir a sua própria clínica. Agora o local está à venda após passar por uma perícia policial.

O caso das supostas agressões veio à tona depois que mães de crianças autistas registraram queixas contra a fonoaudióloga.

Em um dos prints (capturas de tela) de conversas, a fonoaudióloga ofendeu uma criança e afirmou que havia forjado o atendimento. “Dá uma disfarçada, sabe, finge que eu estou atendendo.”

“Eu não vou à tarde para a clínica amiga, inventei para a (nome da mãe da criança) que tenho reunião”, disse a profissional em outro momento.

Uma ex-funcionária da clínica encaminhou à polícia imagens, áudios e vídeos dos atendimentos que as crianças recebiam.

A ex-funcionária, que havia sido contratada como acompanhante terapêutica de um dos pacientes, informou que era instruída pela fonoaudióloga para forjar os atendimentos não realizados.

“As crianças não estavam tendo atendimento. A fonoaudióloga falava com as mães, mas as crianças ficavam na sala comigo, e eu estou cursando psicologia, ainda não tenho esse repertório de fazer o tratamento adequado.”

Ainda segundo ela, os pacientes, quando atendidos, eram trancados em uma sala, chamada de “sala de luz”.

“Quando presenciei a olho nu, eu falei para a minha chefe, a que havia me contratado como acompanhante, que não queria trabalhar mais lá. Ainda fiquei na clínica quase um mês para registrar esses momentos. O que eu presenciei nunca vou tirar da cabeça. Não tem sentimento pior. Fiz tudo pelas crianças.”

A ex-funcionária frisou que registrou uma notícia-crime depois de a fonoaudióloga ter batido no rosto de um menino.

Diagnóstico questionável

A mãe de um dos pacientes da fonoaudióloga conversou com o G1, em condição de anonimato, e afirmou que resolveu levar o filho para a profissional após ele, com dois anos, não ter desenvolvido a fala e apenas se alimentar de comidas específicas.

No dia 15 de junho de 2021, o menino passou por um neurologista particular, que o diagnosticou com TEA em grau leve para moderado. A partir desse momento, o garoto passou a ter consultas regulares na fonoaudióloga.

“Toda sexta-feira, meu filho ia à terapia com a fonoaudióloga e com a terapeuta ocupacional. Nós não tínhamos acesso às terapias, eram reservadas. Nesse tempo, não observamos nada de anormal”, relembrou a mãe.

Depois, em julho de 2021, ela resolveu levar o garoto para a Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae), localizada na cidade de Garça (SP). Como o local utilizava o método Análise de Comportamento Aplicada (ABA, em português), orientou que a mãe escolhesse em qual estabelecimento o menino iria ser tratado, para não confundi-lo, já que os tratamentos eram diferentes.

“Quando ele entrou na Apae, eu percebi um avanço muito grande. Antes, ele não conseguia lidar com nada, mas melhorou o lado sensorial. Ele ainda não é 100% verbal, não entendemos muita coisa, mas tem melhorado muito. Ele já fala ‘mamãe’ e ‘papai’, por exemplo”, disse.

Por meio disso, a mãe levou o menino para uma consulta com uma neurologista pediátrica da Universidade Estadual Paulista (Unesp) que levantou a hipótese de ser apenas um atraso de fala, o que pode descartar o TEA.

“Na primeira consulta, a médica falou que não fecha o diagnóstico para autismo antes dos três anos. Meu filho tinha dois anos e oito meses, mas, na observação, ela falou que ele não possui características para o autismo”, relatou a mãe.

Agora o menino passa por consultas de rotina em uma pediatra na Unidade Básica de Saúde (UBS).

Trancado em sala

Outra mãe, cuja identidade não foi revelada, disse ao G1 que o filho, de nove anos, era trancado pela fonoaudióloga em salas do consultório.

Ela disse que o menino foi diagnosticado aos dois anos com autismo em grau severo. Desde então, ele passou a ser acompanhado pela profissional.

Contudo a mãe notou que, desde o final de 2020, o menino não estava evoluindo no tratamento. Segundo ela, outras mães já haviam reclamado da mesma coisa e, inclusive, denunciaram a fonoaudióloga por falta de atendimento.

Quando foi chamada para comparecer à delegacia, achou que era para tratar sobre a falta de atendimento. “Achava que eles iam me perguntar dessa falta de atendimento, que eu também vinha percebendo, mas não. Eu descobri que meu filho era trancado em salas do consultório. Não estava esperando. Eu confiava nela”, relatou.

Ela ainda frisou que o menino voltava para casa com as roupas urinadas e às vezes sem camisa.

A mãe disse que já havia parado de levar o filho na clínica da profissional quando foi chamada para ir à delegacia.

Agressão

Outra mãe entrou em contato com o G1 e disse que o filho, de seis anos, também foi diagnosticado com autismo severo. Por isso, ele deve ser acompanhado por uma equipe multidisciplinar.

Contudo há dois anos ela notou que ele não demonstrava evolução no tratamento com a fonoaudióloga.

Ela informou que, inclusive, o menino levou um tapa no rosto após ter mordido a profissional. “É muito difícil, eu sei de onde o meu filho veio, sei o que ele passou para chegar onde está. É uma criança que não sabe falar, que não sabe se expressar. Ele é extremamente vulnerável. O tapa doeu muito mais em mim. Desumano.”

No fim de maio deste ano, o menino parou de ir à clínica particular e passou a ser acompanhado por outras profissionais. Agora, segundo a mãe, ele já consegue ficar sentado.

O que diz a profissional?

A defesa da profissional informou que está colaborando com as investigações e irá se posicionar sobre o caso somente no inquérito policial, que está sob segredo de Justiça.

A Polícia Civil informou na terça-feira (16) que uma perícia comprovou a veracidade das imagens e filmagens. O próximo passo agora é terminar de coletar o depoimento das mães que relataram as agressões.

Assim que o inquérito policial for concluído, o caso será encaminhado ao Ministério Público de São Paulo (MP-SP) para o órgão decidir se vai ou não oferecer denúncia à Justiça.