Acima, a francesa Marine Le Pen
Acima, a francesa Marine Le Pen (Crédito:Geert Vanden Wijngaert/AP)

Líder da Frente Nacional, principal partido da extrema-direita na França, a advogada Marine Le Pen, de 47 anos, se acostumou a ser ridicularizada por opositores, artistas e veículos de imprensa, como a revista satírica Charlie Hebdo, pelo discurso ultranacionalista que defende. Não raras vezes, Marine propaga xenofobia, racismo e demagogia, sobretudo contra imigrantes e muçulmanos, dois grupos muito relevantes na atual demografia francesa. Ainda assim, nos últimos anos ela passou de intrusa para uma das vozes mais ressonantes na política do país, entrou para a lista da revista americana Time das 100 pessoas mais influentes do mundo e se tornou forte candidata às eleições presidenciais de 2017. Na semana passada, quando os líderes europeus ainda tentavam entender as consequências da ruptura do Reino Unido com a União Europeia (UE), decidida por plebiscito na quinta-feira 23, Le Pen foi convidada pelo presidente francês, François Hollande, para debater o tema no Palácio do Eliseu. Para ela, que defende que uma consulta semelhante à britânica seja realizada na França, o gesto foi reflexo de que sua bandeira, afinal, não é assim tão ridícula.

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“Cada dia que passa, recebemos demonstrações de que estamos certos”, disse Le Pen à Time. “Cada dia que passa valida a análise que apresentamos nos últimos anos, muitas vezes sozinhos, muitas vezes contra todos, muitas vezes menosprezados e insultados.” Ela não hesita em parecer populista ao declarar que, após a decisão dos britânicos, a “primavera dos povos é agora inevitável” e que esse é apenas o início do fim da UE. Seguindo essa retórica, a líder francesa evoca a liberdade tão cara aos franceses para dizer que, fora do bloco europeu, o povo recuperaria a autonomia para governar a si próprio, colocando seus interesses em primeiro lugar. É um discurso muito semelhante ao do magnata Donald Trump, o candidato republicano à presidência dos Estados Unidos, que promete “fazer a América grande outra vez”. Como Le Pen, Trump adora dizer que sempre esteve certo e viu o resultado do referendo britânico como uma “grande vitória”, a despeito do que disseram os principais líderes políticos europeus, os economistas e intelectuais – em suma, o “establishment”.

Por mais absurdas que possam soar as afirmações de conservadores como Marine Le Pen e Donald Trump, é preciso admitir que os dois tiveram a capacidade de captar um sentimento popular que a elite política não teve: a sensação de que, nos últimos 30 anos, mas principalmente depois da crise financeira de 2008, a classe média de países industrializados sofreu com a globalização. Perdeu empregos para imigrantes e trabalhadores de países onde a mão-de-obra é mais barata, viu a renda encolher, a segurança piorar. “As pessoas que gostam de Trump pensam que as elites americanas não se importam com elas, as ignoram, e que ele não parece alguém que apoiaria alguns cidadãos às custas dos outros”, disse à ISTOÉ Henry Olsen, analista do Centro de Ética e Política Pública, de Washington. “Além disso, Trump canaliza o desejo de milhões de americanos que querem ser liderados por alguém que expressa nacionalismo e orgulho por ser americano.”

Ainda que tenham sido alertados para os riscos que o abandono do mercado único, responsável por metade de suas exportações, poderia causar à economia, os britânicos levaram para as urnas o sentimento de nacionalismo e a frustração com a globalização. O raciocínio considera que os cidadãos comuns pagam a conta mais salgada pelo recente aumento do fluxo migratório, que sobrecarrega os sistemas públicos de saúde, educação e proteção social. Líder do Partido da Independência do Reino Unido (Ukip, na sigla em inglês) e feroz defensor do rompimento com a UE, Nigel Farage chegou a propor uma lei que permitisse aos empregadores discriminar candidatos estrangeiros para dar a vaga a britânicos. Até a semana passada, ele também era visto como um estranho no ninho, mas agora quer mais espaço no debate público.

Por alienarem – e até ofenderem – fatia importante do eleitorado, Farage, Trump e Le Pen podem não ser os melhores candidatos para eleições gerais. Os sinais recentes, contudo, mostram que suas plataformas têm respaldo maior do que os moderados gostariam e podem ganhar ainda mais relevância nos próximos ciclos eleitorais. “O mais assustador desse fenômeno é que Trump não é o último candidato americano que incorpora uma personalidade autoritária, um homem forte. Ele é o primeiro”, diz Carl Bogus, professor de Direito na Universidade Roger Williams, de Rhode Island, e autor de livros sobre o conservadorismo americano. “Ele pode não ser eleito, mas abrirá espaço para outros como ele.” Como efeito colateral da ressaca britânica, os espanhóis, que foram às urnas no domingo 26 pela segunda vez em seis meses, deram mais espaço para o Partido Popular, do primeiro-ministro conservador, Mariano Rajoy. Embora não tenha a maioria absoluta do Parlamento, Rajoy usou a instabilidade britânica para aumentar o apelo por um consenso urgente em seu país e evitar terceiras eleições e um referendo de independência da Catalunha. Os conservadores, mais uma vez, comemoraram.

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O esfacelamento do Reino Unido

Na ressaca pós-“Brexit”, os britânicos se vêem sem uma liderança política e cogitam um novo plebiscito

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Na semana seguinte ao plebiscito que decidiu pela saída da União Europeia (UE), apelidado de “Brexit”, o Reino Unido se acostumou à sensação de instabilidade. Enquanto os jornais locais escreveram sobre eleitores que se diziam arrependidos de seu voto (para eles, a escolha pela ruptura era apenas um protesto, não um desejo), uma petição pela convocação de uma nova consulta conseguiu as assinaturas de mais de 4 milhões de pessoas. O argumento era o de que, já que nenhum dos lados conseguiu 60% de apoio e o comparecimento às urnas foi menor que 75%, a decisão deveria passar por mais um referendo. Na terça-feira 28, parte dos inconformados com o divórcio foi a Trafalgar Square, no centro de Londres, protestar. Ainda que diversos analistas tenham questionado a possibilidade de anular o plebiscito via maioria parlamentar, as possibilidades disso acontecer são remotas – e as cicatrizes que deixaria para a democracia, inestimáveis.

O arrependimento com o prospecto de uma vida fora da UE, porém, não é consensual. O “Brexit” deu novo fôlego a grupos xenófobos, como mostram dados do Conselho Nacional de Chefes de Polícia. Entre a quinta-feira 23 (dia da votação) e o domingo 26, os policiais registraram 85 crimes de ódio e incidentes em comunidades de imigrantes, o que representa um aumento de 57% em relação ao mesmo período da semana anterior. Entre eles, foi encontrada uma pichação contra “vermes poloneses” na parede de um centro comunitário, em Londres. Na última década, afinal, desde que a UE se abriu para países mais pobres do Centro e do Leste do continente, a Polônia se tornou a segunda maior fonte de imigrantes para o Reino Unido, e foi esse o tema que ajudou a desequilibrar a decisão pela saída. Um dos principais nomes a favor do “Brexit”, o ex-prefeito de Londres, Boris Johnson, colocou em discussão a proposta de Londres seguir com acesso ao mercado comum, com cerca de 500 milhões de consumidores, mas sem a livre circulação de pessoas e trabalhadores, solução que foi prontamente descartada pelas autoridades europeias.

Na quinta-feira 30, quando os britânicos esperavam que Johnson fosse anunciar oficialmente sua candidatura a primeiro-ministro (ele era o favorito ao cargo), aconteceu mais uma reviravolta. O conservador surpreendentemente se retirou da disputa e cedeu lugar ao ministro da Justiça, Michael Gove. “Tendo consultado colegas e tendo em vista as circunstâncias do Parlamento, concluí que essa pessoa não pode ser eu”, disse Johnson. “Diferentemente da crise no Brasil, onde já se vê uma luz no fim do túnel, nós estamos entrando num período de incertezas agora”, disse à ISTOÉ o britânico Anthony Pereira, cientista político e diretor do Instituto Brasil do King’s College, de Londres. “Há por aqui a sensação de que as coisas ainda vão piorar antes de melhorar.” O próximo premiê deve ser escolhido em 9 de setembro.

Nesse ínterim, a libra esterlina segue trajetória de desvalorização. Na semana passada, a agência de classificação de riscos Standard & Poor’s cortou em dois níveis a nota de crédito do Reino Unido. Segundo o economista Guntram Wolff, diretor do instituto de pesquisas Bruegel, de Bruxelas, o que foi vendido como “escolhas” durante o plebiscito agora são “dilemas políticos”. “Quanto mais isolacionista for a abordagem do Reino Unido e mais punitivo for o humor do continente, maiores serão as perdas no mercado de ações para os dois lados”, escreveu em artigo publicado no site do Bruegel. “Ou se perde economicamente ou se quebram promessas.”


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