Fez 30 graus de temperatura na terça-feira 26 em São Paulo. Foi sob esta temperatura e debaixo de um sol que não deu folga o dia todo que cerca de 15 mil pessoas se aglomeraram no Vale do Anhangabaú, no centro da capital paulista, para disputar uma das seis mil vagas de emprego oferecidas por um mutirão promovido pela Prefeitura de São Paulo e o Sindicato dos Comerciários. Muita gente chegou ainda de madrugada, mesmo sabendo que a distribuição de senha só começaria às 8h30. Em média, cada um passou dez horas na fila. Diferentemente dos que habitam os gabinetes de Brasília, esses brasileiros não contaram com ar condicionado, banheiros, sofás, fartas refeições. Ganharam apenas um sanduíche e puderam beber água porque a companhia que fornece água no estado enviou um caminhão pipa. Enquanto na capital federal integrantes do Executivo e Legislativo travavam mais um dia de bate-boca inútil – boa parte dela feita nas redes sociais e impulsionada pelo presidente Jair Bolsonaro — o país real derretia de calor, fome e sede na esperança de conseguir algum emprego, E recuperar a dignidade, como desabafou um dos cidadãos que sofria na fila.

O evento foi o terceiro do gênero realizado em São Paulo. Foi também o mais concorrido de todos: no anterior, feito em agosto do ano passado, o número de interessados alcançou 5,5 mil pessoas, concorrendo a quatro mil vagas. Os 15 mil desempregados registrados nesta semana, porém, não chegam a surpreender. Há mais de um ano a taxa de trabalhadores sem ocupação oscila em torno dos 12%, o que significa, hoje, 12,1 milhões de brasileiros a procura de trabalho, sem sucesso. Por isso, acorrem cada vez mais pessoas à iniciativas do gênero. Encontram-se nesses locais gente que procura emprego há mais de quatro anos, muitos agora sem dinheiro algum, vivendo de bicos e abrigados de favor na casa de conhecidos. Os salários ofertados pelas empresas que participaram do mutirão de São Paulo chegavam no máximo a R$ 2 mil. As vagas foram disponibilizadas principalmente por companhias do setor de serviços e incluíam postos em telemarketing, administração e vendas.

Sem perspectiva

Em geral, 50% dos indivíduos que participaram dos mutirões saíram com um encaminhamento de emprego, o que não quer dizer que tenham conseguido o trabalho efetivamente. Um dos dramas visto com frequência é a inadequação às vagas disponíveis. “Embora divulguemos o perfil da vaga, aparecem pessoas ou sem qualificação alguma ou muito qualificadas”, explica Aline Cardoso, secretária da Secretaria Municipal de Desenvolvimento Econômico e Trabalho de São Paulo. No fundo, é o mesmo desespero para todos, independentemente da formação. Nesta semana, por exemplo, Aline testemunhou uma nutricionista pós-graduada perguntando por vagas e viu a história de um engenheiro querendo concorrer à vagas para caixa de supermercado ou telemarketing. Infelizmente, nenhum dos dois obteve o trabalho que tanto precisam. Assim como também não conseguiram aqueles sem experiência ou grau de instrução insuficiente.

Somados aos desempregados estão os 5 milhões de cidadãos incluídos na categoria “desalento”. Estes perderam a esperança de tal forma que desistiram de lutar por uma chance no mercado de trabalho. “É um número triste e bastante significativo”, afirma o economista Renan Pieri, professor da Fundação Getúlio Vargas em São Paulo.

“Há pessoas super qualificadas que nos procuram, mesmo as vagas não sendo para este perfil” Aline Cardoso, secretária de Desenvolvimento Econômico de SP (Crédito:Erik Teixeira)

Caso Brasília continue ignorando o Brasil, essas 17 milhões de pessoas, entre desempregados e desalentados, continuarão sendo submetidas à angústia de não ver o futuro. No início do ano, quando se esperava que a reforma da Previdência fosse aprovada ainda no primeiro semestre, calculava-se que a melhora da economia que ocorreria em seguida levasse à criação de mais empregos já no final do ano. No entanto, este novo cenário de incertezas empurra a retomada para 2020. E, considerando-se que dê tudo certo do ano que vem para frente, o patamar de pessoas empregadas só chegará a um nível decente depois de três anos. Por isso, o governo precisa começar a governar e o legislativo, a legislar. O engenheiro, a nutricionista, a copeira, o metalúrgico do lado de cá dos palácios não podem esperar mais.