Depois de um ano em que esportistas se engajaram na luta antirracista no mundo todo, a final da Libertadores provavelmente será decidida por artilheiros que também falam grosso contra o racismo. Vítima de injúria racial no ano passado, o atacante santista Marinho se tornou quase um ativista contra a discriminação. Sua luta está até nas chuteiras que usa. O centroavante palmeirense Luiz Adriano usa as experiências dolorosas que viveu no Leste Europeu para marcar sua posição, principalmente nas redes sociais.

Para Marinho, a ferida ainda não cicatrizou. Em julho do ano passado, o alagoano de Penedo foi vítima de injúria racial na derrota do Santos para a Ponte Preta por 3 a 1. Durante a transmissão da partida pela rádio Energia 97 FM, o repórter Fabio Benedetti disse que falaria “você está na senzala” ao jogador como castigo pelo cartão vermelho ainda no primeiro tempo. Por conta do episódio, acabou demitido da rádio.

Marinho desabafou nas redes sociais. “Fiquei muito mal com isso, chorava muito. Nunca tinha sentido isso tão forte assim. Já aconteceu comigo quando não tinha voz ativa. Quando aconteceu esse episódio agora, me doeu. Sei que tem muita gente sofrendo no oculto, gente que não pode falar, não tem voz. É um crime”, afirmou o santista em vídeo. Marinho disse que perdoou o radialista, mas que o profissional ainda terá que “pagar pelo que fez”.

O episódio acentuou a importância do atleta como porta-voz da luta contra o racismo no futebol. Na semifinal da Libertadores diante do Boca Juniors, na Vila Belmiro, na partida que classificou o time da Vila à final do Maracanã, ele usou uma chuteira laranja com a inscrição “Black Lives Matter”. Na parte anterior do calçado, a imagem do punho fechado.

A hashtag #BlackLivesMatter (Vidas Negras Importam, em tradução livre) ganhou o mundo a partir das manifestações contra a morte de George Floyd por um policial de Mineápolis, nos Estados Unidos, em maio do ano passado. Famosos e anônimos usam o termo, nas redes sociais e nas ruas, para cobrar das autoridades que resguardem vidas negras. No Brasil, o ideal ganhou impulso depois que João Alberto Freitas, um homem negro, foi espancado e morto por dois homens brancos em um supermercado Carrefour em Porto Alegre, no Rio Grande do Sul, no dia 19 de novembro, véspera do Dia da Consciência Negra.

Luiz Adriano tem uma atuação antirracista mais centrada nas redes sociais. Reserva no título mundial do Internacional em 2006, Luiz Adriano se transferiu para o Shakhtar Donetsk, em 2007, onde atuou a maior parte da carreira. Foi no Leste Europeu que o centroavante de 33 anos, uma das principais estrelas do futebol russo, aprendeu a lidar com o racismo.

Em 2014, quando defendia o Shakhtar Donetsk, Luiz Adriano marcou cinco gols na goleada por 7 a 0 diante do Bate Borisov pela Liga dos Campeões. A torcida adversária passou a imitar macacos quando o brasileiro pegava na bola. Como punição, o clube foi obrigado a jogar a partida seguinte com portões fechados. Quatro anos depois, o próprio Shakhtar o comparou a um chocolate derretendo, quando o atacante estava treinando e suando, sob o sol.

O dono de 11 títulos pelo clube ucraniano também se engajou no movimento que ressalta a importância das vidas negras. “Fico feliz em ver que as pessoas estão falando, sendo mais conscientes e defendendo a causa”, disse o centroavante do Palmeiras.

O engajamento é uma questão familiar. Sua ex-mulher, a modelo Ekaterina Dorozhko, confessou nas redes sociais o preconceito que sofria por ser casada com um homem negro. “Para nós, eu e minha família, é inadmissível passar por qualquer tipo de preconceito e é inadmissível qualquer ser humano sofrer isso na pele. O mundo ainda precisa mudar muito e as pessoas precisam aprender que não existem diferenças, sejam elas raciais, de gênero ou classe social. Nada justifica”, declarou o palmeirense. Sua ex-mulher, a modelo Ekaterina Dorozhko, confessou nas redes sociais o preconceito que sofria por ser casada com um homem negro.

Luiz Adriano e Marinho ainda são vozes solitárias, mas o cenário está mudando. Essa é a opinião do cientista social Marcel Tonini. “O cenário está mudando, porém não da forma e com a rapidez necessária”, diz o doutor em História Social pela USP. “No Santos, o Marinho é o que mais se engaja; no Palmeiras, o Luiz Adriano. Quantos mais temos em cada clube? E nos outros? Dois, três, quatro, no máximo cinco por agremiação num elenco com uns 30 atletas”, questiona.

Na opinião do especialista, isso ocorre porque os atletas ainda ficam marcados pela luta contra o racismo. “Levantar o punho e a voz significa ficar marcado no universo do futebol e sofrer consequências assim que o insucesso bater à porta”, afirma. “Jogadores “rebeldes”, em sua maioria negros, sempre sofreram as consequências de seus atos. Fausto, Leônidas, Jair da Rosa Pinto, Pelé, quando se aposentou da seleção e decidiu ser empresário, Paulo Cézar Lima, Reinaldo… Enfim, Marinho e Luiz Adriano ainda constituem exceções em nosso futebol e arcarão com o peso de suas lutas, infelizmente”, conclui.