“Querer” a civilização, entre aspas, é uma coisa; empenhar-se com afinco para impulsionar o processo civilizatório é outra, bem diferente. Definir civilização é quase desnecessário. Em países civilizados, os cidadãos respeitam-se uns aos outros; cumprem seus deveres perante o Estado e à Nação a que pertencem; comportam-se segundo os requisitos da ocupação que exercem e, não menos importante, são sensíveis às necessidades dos concidadãos que por desventura precisem de ajuda.

É lógico que me refiro à maioria – a uma ampla maioria, algo como oitenta por cento – dos cidadãos. Infelizmente, sabemos que poucos países atingem esse padrão. Em muitos deles, vinte por cento, no mínimo, são mandriões, ladrões e criminosos, organizados ou não, e nem preciso acrescentar que você não sai tranquilo à rua, porque alguns dos que aparentam ser inofensivos transeuntes podem ser perigosos assassinos. Dessa assertiva podemos inferir que “ser um povo civilizado” requer que os integrantes da maioria se comportem, sempre que possível, como uma muralha, um arrimo, apoiando os órgãos públicos em sua função de impedir que a minoria incorrigível se expanda. Obviamente, não estou estimulando cada um a se armar e sair por aí à caça de suspeitos. Entre esse extremo e uma simples chamada para o número de telefone que os ônibus trazem na parte traseira existem muitos graus.

Atualmente, além dos estudiosos, os meios de comunicação estampam muita coisa útil — ao lado, infelizmente, de muita coisa impublicável

A questão, porém, é o que pode uma coletividade fazer a fim de se tornar civilizada. Penso que a resposta começa pela vontade, ou seja, pelo querer, que por sua vez tem a ver com a privacidade, com a sociabilidade e com os sentimentos. Esse enunciado é abrangente. Inclui a vida em família, o relacionamento com os amigos e, não menos importante, o modo de falar com o balconista, com o trocador no ônibus, e com qualquer um que, apressado, tenha esbarrado em você. Ao longo dos séculos, a filosofia, as ciências humanas e as religiões têm se ocupado em esclarecer os matizes que a esfera dos sentimentos compreende. Atualmente, além dos estudiosos, os meios de comunicação estampam muita coisa útil — ao lado, infelizmente, de muita coisa impublicável. Evitemos, porém, um idealismo excessivo. Os pontos suscitados são frágeis em países como o Brasil. Os incontáveis percalços de nossa formação colonial e nossa indiferença pela educação explicam por que o atraso de nossa moral coletiva se mede em anos-luz. Entre nós, a verdade é que dezenas de milhares se recusam a custear os estudos dos filhos, mas não se pejam de gastar muito mais com sua fantasia de carnaval.