Os clubes da elite do futebol brasileiro bateram recorde de faturamento no ano passado. Segundo dados da Sports Value, as 20 equipes mais ricas do País faturaram juntas R$ 6,1 bilhões. O número foi alavancado pelo Flamengo, que sozinho teve R$ 950 milhões de receita – esse valor inclui toda a arrecadação do time, com venda de jogador, patrocínio, bilheteria, sócio-torcedor….

Em 2020, a pandemia do novo coronavírus acabou com qualquer possibilidade de o gráfico manter essa ascensão. A expectativa é que os valores encolham em até 60%, de acordo com o diretor de marketing esportivo Amir Somoggi, proprietário da Sports Value. No quarto capítulo da série sobre finanças do futebol, Amir diz que somente a união dos clubes será capaz de contornar essa crise que se anuncia. Para isso, opina, será necessário o Flamengo mudar a ideia de crescer sozinho e olhar mais para o todo. “Tem de haver união. O produto futebol só vale porque ele é complementar. É um jogo de todo mundo”.

O que motivou o recorde de receitas no ano passado?

Nunca faturamos tanto como no ano passado por causa de alguns fatores como Flamengo, por exemplo, que teve ótima performance em venda de jogador, bilheteria, sócio-torcedor, patrocínio, premiação… O Santos teve a venda do Rodrygo para o Real Madrid. O Athletico-PR foi muito bem. Em termos de receita era o melhor momento da história mesmo com a crise de alguns clubes. Cruzeiro, Botafogo, Fluminense não precisaram do coronavírus para entrar em crise. Entraram muito antes. Corinthians e São Paulo também tiveram grandes prejuízos em 2019, mas estamos falando das receitas, do que entrou.

Quanto esse cenário vai mudar por causa da pandemia?

Vivemos um cenário brutal de corte de receita. No mínimo, 30% vai cair, mas a gente imagina que seja muito mais. Não dá para saber ao certo. Quando o mercado de transferências voltar, a gente vai ver o rombo. Pode ser que chegue a R$ 3 bilhões.

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Como os clubes podem amenizar essa crise?

A ultradependência de poucas fontes de renda foi destruidora para os clubes. A pandemia obrigou os clubes a entrar para a era digital. E digo isso não só pensando em criar formas para engajar o torcedor, mas para pensar como fazer esse torcedor colocar a mão no bolso. É preciso buscar patrocinador não só para estampar a camisa. Uma empresa pode usar o banco de dados do sócio-torcedor, criar campanha, vender produto, fazer divulgação nos jogos…

Algum clube já faz isso com eficiência?

Podemos pegar o exemplo do Barcelona. A cervejaria espanhola Estrella Damm patrocina o Barcelona e renovou contrato. Deve pagar por volta de 5 milhões de euros, talvez um pouco mais. A Rakuten paga 40 milhões para expor a marca na camisa. A Estrella Damm conseguiu criar enorme identificação com a torcida do time com essas ações. Hoje, se perguntar para o torcedor, a cervejaria tem muito maior identificação do que a Rakuten que acabou de chegar. Existem formas de investir no futebol sem ter a marca na camisa que custa caro e não é para todo mundo.

Quais são essas formas?

Está todo mundo convergindo para o digital, para o ecomerce. As receitas dos clubes estão voltadas para as formas analógicas ainda, não há interação dos negócios e engajamento. As entregas digitais para patrocinadores são muito discretas. A solução é fazer vídeo com o jogador, criar websérie, desenvolver todo um mundo digital que interesse ao torcedor e o faça consumir.

A Medida Provisória que muda regras sobre direito de transmissão de eventos esportivos pode ajudar?

A MP tem um fator positivo que é liberar para o time mandante os seus conteúdos. Não falo o jogo em si, mas usar o conteúdo do jogo, os melhores momentos, os lances para produção de conteúdo digital. Os clubes deveriam ter o direito de expor as marcas dos seus patrocinadores durante os jogos. Só que a forma como foi colocada foi péssima e as discussões que se seguiram… Alguns clubes viram como uma MP para ajudar o Flamengo. Cada clube está lendo de uma maneira. O Bahia, que é um clube a favor, viu a oportunidade para criar sócio digital. O Grêmio é contra, que tem mais receita de sócio e tem contrato com a Globo até 2024.

O que vê de negativo nessa MP?

A forma como encontram para tocar nos pontos fundamentais são sempre as piores possíveis. Houve a sugestão de institucionalizar a discrepância. Fala-se em tornar a diferença dos direitos de TV em no máximo cinco vezes. Está certo, hoje é mais de cinco vezes. Mas não pode regular assim. Na Premier League é hoje de 1,5. A cada renovação de contrato nos últimos anos essa diferença está diminuindo. Cresce o bolo, cresce ainda mais para os menores. Na NFL também é de 1,5. Como regularizar 5 para um? É um disparate. O Manchester United, o Chelsea, o Manchester City já têm receitas enormes no mundo todo. Tem de haver união. O produto só vale porque ele é complementar. É um jogo de todo mundo.

Como vê os clubes que assinaram com a Globo até 2024 nessa discussão?


Quem tem contrato com a Globo deveria chegar na Globo, sentar e criar um modelo híbrido. Criar um aplicativo do clube, chamar a Globo e falar: ‘você vai ser minha empresa jornalística, produz o conteúdo, eu comercializo e nós ganhamos dinheiro junto. Eu monetizo seu conteúdo digital'”. Na minha opinião o aplicativo tem que ser do clube e não da Globo como é hoje.

Ou seja, mudar completamente o que foi assinado?

O clube tem que ter direito as imagens e a Globo tem que mudar o contrato, na minha opinião, para salvar o futebol brasileiro.

No Brasil, é sempre discutido soluções individuais para os clubes. Não chegou o momento de haver um pensamento coletivo?

Essa é a grande questão. O Flamengo tomou uma atitude parecida com a do Corinthians quando rompeu com o clube dos 13. Se colocou como a grande estrela da companhia e esqueceu de que para a companhia existir precisa de todos para funcionar. Se aqui houvesse uma liga estruturada a Amazon investiria nas transmissões por streaming. O desunião enfraquece.

Qual é o papel da CBF nesse cenário?

A CBF nunca foi tão rica. Está com R$ 1 bilhão de faturamento, R$ 700 milhões em caixa. E os clubes achando que ela é parceira, quando o que se vê é que ela não está preocupada com os times. Não tem outro caminho. É fundamental essa união dos clubes. Talvez uma união inicial, não como foi a “Primeira Liga”, mas união em cima dessa MP. Não precisam ser todos. Mas uma união por exemplo de 12 grandes marcas. Flamengo, Corinthians, Grêmio e Inter não querem. Tudo bem. Mas você tem lá: Bahia, Ceará, Fortaleza, Goiás, Sport, Santa Cruz, Náutico… Monta um bloco unindo esses clubes de Série A e B. Está quase feito. A mídia tem que transmitir Série A e Série B. É um começo.

O Flamengo não parece disposto a mudar seu planejamento…

Em uma união como essa, por exemplo, O CSA seria mais ou menos como o sócio do Flamengo. O Flamengo tinha que entender o papel dele na sociedade, que ele não entende. O Barcelona e o Real Madrid demoraram para entender. Eles entenderam há uns anos. Congelaram os ganhos durante um ano com TV para que os clubes menores pudessem crescer e agora sim competir melhor. O Athletic Bilbao, o Sevilla, Mallorca faturam muito mais com TV do que há cinco anos. E o Barcelona e o Real Madrid continuam gigantes.


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