Enquanto escrevo essas linhas, permanece vivo o episódio envolvendo o filho do presidente eleito, o senador Flávio Bolsonaro — um ex-assessor foi citado em relatório do COAF por movimentar R$ 1,2 milhão através de cheques depositados em sua conta por funcionários e ex-funcionários loteados em seu gabinete. Ou, para usar um termo repetido pelo futuro ministro da Justiça, Sérgio Moro, ainda não foi esclarecido.

Até aqui, as reações em ambos os lados do pátio têm sido previsíveis: em uma ponta, o núcleo duro do próximo governo busca desmistificar o caso, tirando o peso de fatos que, na melhor das hipóteses, arranham a imagem de uma gestão antes mesmo de seu início. Na outra, oposicionistas e antipáticos ao bolsonarismo cobram severidade na apuração do episódio.

Está tudo certo. Há aqueles, como Luciano Huck, que consideram cedo demais para ir contra a nova administração, mas fato é que a oposição ferrenha faz parte do jogo político e da própria democracia.

Todavia, fiquei alarmado com uma fala específica de Onyx Lorenzoni, futuro ministro da Casa Civil, que após tergiversações a respeito do quiproquó acusou uma tentativa de “terceiro turno” em curso.

A declaração pode fazer parte de uma estratégia de defesa, e o fato de não ter causado rebuliço diz muito sobre a relevância de Lorenzoni no momento, mas não deixa de denunciar a normalização de uma perigosa ideia: a de que alguém eleito possa deixar o poder ao sabor do vento. A banalização do desrespeito ao resultado obtido nas urnas.

Além do risco que corre o nosso sistema democrático se a decisão da maioria passar a ser desconsiderada sistematicamente (noves fora casos de inequívoca perda de governabilidade associados a denúncias comprovadas de falcatruas, como ocorreu há dois anos), há ainda, embutido aí, um conceito deseducador.

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Ou seja, em vez de assumirmos as nossas escolhas, e de nos sentirmos responsáveis por elas, passaríamos a contar com uma espécie de rede de proteção.

Ora, como será possível forjar a cidadania e a sensação de pertencimento no cidadão para com a administração pública e o processo eleitoral se, além da obrigatoriedade do voto, esse passar a parecer descartável?

O novo governo nem sequer começou e já emite sinais preocupantes. Contudo, espero que vá até o final. Só assim, mesmo em caso de fracasso, aprenderemos.

Aliás, especialmente nos fracassos.


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