As faculdades privadas criaram meios próprios de substituir o Fies, programa de financiamento estudantil do governo federal que entrou em crise em 2015. Programas em que as próprias instituições de ensino usam seu caixa para parcelar as mensalidades e fazer alunos pagarem uma parte depois de formados já são mais relevantes hoje na atração de ingressantes do que era o Fies no seu auge, em 2014.

Alunos que entraram com esse tipo de crédito já são 28,3% do total de calouros das faculdades privadas, segundo o Mapa do Ensino Superior, levantamento do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior (Semesp). No seu auge, o Fies era responsável por 21% dos ingressantes.

“O parcelamento usando recursos próprios se tornou a grande ferramenta, a principal alternativa das instituições de ensino para substituir o Fies”, comentou Rodrigo Capelato, diretor executivo do Semesp.

Já o Fies veio perdendo sua relevância ano a ano. Em 2017, ultimo ano para o qual há dados disponíveis para as matrículas do ensino superior brasileiro, alunos que ingressaram com o programa do governo federal representaram apenas 5,7% do total de calouros. E a expectativa é de que esse continue sendo o patamar para o programa daqui para a frente.

“É um consenso entre empresas do setor que o Fies vai se tornar insignificante com o tempo”, escreveu em relatório publicado na última terça-feira, 25, a analista de educação do banco UBS, Maria Tereza Azevedo.

O levantamento do Semesp chama atenção ainda para o fato de que não decolou nos últimos anos como alternativa para o setor o financiamento privado, realizado por instituições financeiras. O crédito oferecido por entidades externas, ou seja, bancos e outras instituições que não a própria faculdade, representou apenas 2,1% dos ingressos em 2017, tendo voltado aos patamares de 2013 após um leve pico, de 4,2%, no início da crise do Fies em 2015.

“O financiamento privado (pelos bancos) é muito restritivo na concessão de crédito porque impõe exigências como a existência de fiador, algo que muitos estudantes não conseguem atender”, comentou Capelato. “A instituição de ensino tem tomado mais esse risco porque sabe lidar melhor com o aluno do que outras empresas”, acrescentou.

Parcelar mensalidades é um desafio para as empresas de educação porque isso altera os prazos de recebimento e o ciclo de caixa. Além disso, elas passam a ter que lidar com o risco de calote. Ainda assim, Capelato considera que o esforço tem valido a pena para as empresas, que conseguem rentabilizar espaços em sala de aula que, sem o crédito, ficariam vazios.

“Se uma sala de aula tem trinta vagas e a faculdade consegue bancar os custos operacionais preenchendo vinte dessas vagas, as outras dez podem ser cedidas a alunos que aderirem aos programas de parcelamento de mensalidade”, explicou o executivo do Semesp.

O crescimento desse método de parcelamento com recursos próprios das instituições tem ocorrido tanto em grandes grupos de ensino como em faculdades pequenas. Para aumentar a capacidade financeira das faculdades privadas de conceder crédito aos alunos, o setor tem defendido a possibilidade de que uma forma eficiente de o governo fomentar as matrículas seria dar crédito às empresas de ensino para que estas financiem alunos.

A ideia é que as instituições assumiriam, assim, o risco de inadimplência, que deixaria de ficar com o governo. Ao assumir esse risco, elas também teriam mais interesse em monitorar os alunos e evitar que os mesmos deem o calote.

O tema chegou a ser proposto quando da discussão pelo governo do presidente Michel Temer da reforma do Fies apresentada em 2018. O programa passou por algumas modificações, entre elas a criação de novas modalidades de financiamento com recursos dos bancos privados.

Mas não houve, por enquanto, consenso sobre essa ideia de subsidiar juros no crédito às faculdades. A expectativa do setor privado é voltar a pautar a discussão após a posse de um novo governo, em 2019.

O Fies ofereceu na modalidade com recursos públicos apenas 100 mil vagas na primeira metade de 2018. Destas, apenas 46 mil vagas foram preenchidas. A ociosidade se deve à dificuldades dos alunos preencherem requisitos mínimos exigidos no programa, como por exemplo a exigência de nota mínima de 450 pontos no Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

Após uma nova oferta de cerca de 60 mil vagas no segundo semestre, houve aproximadamente 25 mil contratos firmados. No seu auge, em 2014, o Fies chegou a firmar 733 mil contratos num único ano.

Uma diferença entre o Fies e o parcelamento que as faculdades ofertam com caixa próprio é que, nos tempos áureos, o Fies financiava a totalidade do preço da mensalidade. Já as faculdades privadas têm parcelado valores entre 30% a 50% do preço da mensalidade, o que obriga os alunos a pagarem uma parcela da mensalidade enquanto ainda estão estudando.

A avaliação de especialistas é que essa prática reduz o risco de calote, porque mantém um compromisso dos estudantes com o pagamento desde o primeiro mês de curso. As faculdades também não podem cobrar juros. Por não poderem atuar como instituições financeiras, elas podem apenas exigir que o aluno pague, depois de formado, o valor da mensalidade corrigido, ou seja, um valor proporcionalmente equivalente ao que paga um novo estudante.