A ascensão de Viktor Orbán vem do manual do totalitarismo. A União Europeia foi complacente com isso e só agora, diante da nova lei homofóbica húngara, resolveu levantar a voz. Talvez tarde demais, opina Barbara Wesel. Finalmente! Todos que, há anos, vinham dizendo que a União Europeia deveria mostrar ao “pequeno ditador” Viktor Orbán o cartão vermelho foram recompensados na quinta-feira. Era como estar em um parquinho, onde após anos de não interferência a maioria finalmente enfrenta o valentão e mostra o seu lugar. Como espectador, você observa com satisfação – exceto que tudo isso deveria ter acontecido anos antes.

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A lei indiscutível que discrimina os homossexuais, bissexuais e transexuais e os coloca na mesma categoria de pedófilos levou a uma explosão de fúria na cúpula da União Europeia, num nível que nunca havia sido visto antes. Normalmente, prevalecem as regras do coleguismo educado. Mas isso acabou: fila após fila de chefes de governo enfrentaram o húngaro e lhe disseram como seu governo é antidemocrático, discriminatório e homofóbico e que a nova lei é intolerável.

Ao seu lado, Orbán teve apenas os chefes de governo poloneses e eslovenos. E o húngaro não hesitou em afirmar na frente dos jornalistas que sua lei tinha como único objetivo proteger as crianças. Como se esta estúpida desculpa pudesse esconder o fato de que Orbán lançou uma guerra cultural contra os valores liberais.

O chefe de governo de Luxemburgo, Xavier Bettel, falou comoventemente na cúpula sobre sua própria homossexualidade e questões de identidade do passado. Se Orbán ainda pudesse ter vergonha, teria sido esse o momento. Mas ele segue fiel há anos a seu plano de cimentar seu poder como governante autocrático, apoiado por um grupo de aliados que ele alimenta com fundos da UE.
Nada disso aconteceu em segredo. Viktor Orbán implementou seus planos diante dos olhos da Europa e até mesmo vendeu sua “democracia iliberal” como um novo modelo político. O resultado é uma cleptocracia perfeita, dominada por bandidos de rua. Com a lei anti-LGBTQ, porém, Orbán foi longe demais. A opinião pública no Ocidente contra tal discriminação é agora tão forte que os líderes da UE se revoltaram contra ele.

Indignação europeia chega tarde demais

Mas onde eles estavam antes? Mark Rutte, por exemplo, com sua forte afirmação de que a Hungria não tem lugar mais na UE? O belga que cunhou a bela frase de que não se pode escolher a homossexualidade, mas não há desculpa para a homofobia. E finalmente a chanceler federal alemã, que condenou claramente a lei de Orbán.

Foi precisamente Angela Merkel e seu partido foram complacentes com Orbán durante anos, encobriram seu desenvolvimento antidemocrático sob a proteção do poderoso bloco conservador no Parlamento Europeu, mantiveram as críticas longe dele e finalmente tornaram possível sua ascensão ao poder em Budapeste. Agora lágrimas de crocodilo estão sendo derramadas sobre a lei antigays.

A ascensão de Orbán vem diretamente do manual do totalitarismo: primeiro a mídia é desligada e alinhada, a independência do Judiciário é destruída, as instituições são infiltradas por cúmplices corruptos. Então, a sociedade civil fica seca, e a liberdade da ciência e da cultura se torna corroída. Tudo isso foi observado por outros chefes de governo europeus durante anos, apertando a mão de Orbán de maneira amigável em cada cúpula.

Existe um caminho de volta?

Reclamar agora sobre o enfraquecimento dos valores democráticos é chorar sobre o leite derramado. Vocês alimentaram esta cobra em sua casa, caros europeus, não se lamentem agora que ela é venenosa. De fato, a UE carece de instrumentos para colocar em seu lugar governantes como Orbán. Só cortando o fluxo de dinheiro seria possível limitar seu poder. Mas isso continua sendo muito difícil. Merkel apoiou o fundo especial da pandemia como algo mais importante do que conter o pequeno ditador do Danúbio.

A esperança é mais provável que surja se os excessos de Orbán agora unirem a oposição. Talvez a UE possa ajudar com a mídia no exílio para dar à oposição uma chance na campanha eleitoral. E é claro que cada euro dos cofres de Bruxelas que chega à Hungria deve ser submetido a estrito escrutínio. Com auditores e promotores de justiça em sua cola, a vida de Orbán será menos tranquila.

A propósito, a mídia controlada da Hungria espalhou agora que George Soros, o financiador judeu e ex-apoiador de Orbán, instigou a discussão sobre a lei LGBTQ. Esta é uma propaganda antissemita do tipo nacional-socialista – portanto, os líderes da União Europeia deveriam, na verdade, interrogar a direita húngara sobre a suspeita de fascismo em sua próxima reunião. Eles também têm negligenciado essa imundície por muito tempo.

Barbara Wesel é correspondente da DW em Bruxelas. O texto reflete a opinião da autora, não necessariamente da DW.