De Peru a Madagascar, uma nova força política impulsionada por jovens da Geração Z reconfigurou o cenário global em 2025, com protestos massivos que derrubaram governos e desafiaram instituições políticas. Utilizando as redes sociais como principal ferramenta de organização, jovens da África, Ásia e América do Sul foram às ruas exigir mudanças nos regimes de seus respectivos países – mobilização que levou à renúncia de presidentes e à intervenção de forças militares.
- Geração Z – grupo demográfico composto por pessoas nascidas aproximadamente entre 1997 e 2012 — ou seja, os que hoje têm entre 13 e 28 anos. Marcada por um mundo altamente conectado, pelo avanço da internet, dos smartphones, das redes sociais e pela digitalização da vida cotidiana.
Essa onda de manifestações revela uma tendência global de descontentamento com as instituições democráticas, percebidas pelos jovens como incapazes de oferecer respostas a problemas estruturais. Alimentados por uma desconfiança crescente na política tradicional e impactados pela normalização da violência no ambiente digital, esses movimentos apontam para um ativismo mais descentralizado e sem bases ideológicas rígidas.
Protestos organizados pela Geração Z
Madagascar

O coronel Michael Randrianirina, chefe da unidade militar CAPSAT
Madagascar se tornou, em outubro de 2025, o mais recente palco de uma convulsão política impulsionada pela Geração Z. O estopim veio com os cortes recorrentes de água e eletricidade, mas os protestos rapidamente ganharam dimensão nacional ao incorporar pautas contra a corrupção e a má gestão pública.
Jovens organizados por redes sociais e liderados pelo Movimento Gen Z Madagascar tomaram as ruas da capital, Antananarivo, desde o fim de setembro, exigindo a renúncia do presidente Andry Rajoelina. O movimento ganhou força decisiva quando a unidade militar de elite Capsat passou a apoiar abertamente os manifestantes e se voltou contra o governo.
A pressão resultou na fuga de Rajoelina e na sua destituição pelo parlamento, seguida por uma intervenção militar que dissolveu as principais instituições do Estado. O episódio reflete uma tendência global de mobilizações juvenis descentralizadas, alimentadas por redes sociais, e expõe o desgaste de estruturas democráticas frágeis diante da força de uma nova geração politicamente engajada.
Nepal

Incêndio devasta o Singha Durbar, o principal prédio administrativo do governo do Nepal
O Nepal vive uma das mais intensas crises políticas de sua história recente, marcada por uma onda de protestos liderados por jovens. Desde setembro de 2025, a Geração Z tomou as ruas para protestar contra a decisão do governo de bloquear o acesso a redes sociais como Facebook e Instagram. A medida foi o estopim para uma mobilização geral contra censura, corrupção sistêmica e o desgaste das instituições democráticas.
Desde o início dos atos, pelo menos 25 pessoas morreram em confrontos com a polícia e mais de 100 ficaram feridas, incluindo ataques a prédios públicos e residências de líderes políticos. A escalada da violência levou à renúncia do primeiro-ministro Khadga Prasad Oli e escancarou o descontentamento da população jovem, conectada e frustrada com a instabilidade política e a ausência de perspectivas.
Mesmo com a suspensão do bloqueio às plataformas, os protestos continuam, embalando uma rejeição mais ampla à elite política do país.
Indonésia

Manifestantes queimam uma barreira de água em uma estrada durante protestos em Surabaya
A Indonésia vive uma tensão social após a morte violenta de Affan Kurniawan, jovem entregador de 21 anos atropelado por forças paramilitares durante uma manifestação em Jacarta. As imagens do assassinato chocaram o país, viralizaram nas redes sociais e catalisaram uma onda de protestos inicialmente pacíficos, mas que rapidamente ganharam escala nacional contra a repressão, desigualdade social e distanciamento da elite política em relação aos problemas da população.
Liderados majoritariamente por jovens e trabalhadores informais, os atos se intensificaram diante da resposta militarizada do Estado, que resultou em pelo menos dez mortos, centenas de feridos e milhares de detenções.
Em meio à repressão, emergiu o movimento “17+8”, que apresenta uma lista de reivindicações imediatas e estruturais, exigindo reformas no Parlamento, punição aos responsáveis pela violência e o fim do uso do Exército contra civis. Enquanto os manifestantes pedem mudanças nas instituições democráticas indonésias, o governo endurece sua retórica e reforça o aparato repressivo.
Peru

José Jerí (centro), assume como novo presidente do Peru após a destituição de Dina Boluarte, em 10 de outubro de 2025 – ANDINA/AFP
A crise política no Peru chegou a um ponto crítico em outubro de 2025, quando protestos massivos tomaram as ruas, impulsionados principalmente pela Geração Z, que expressam profundo descontentamento com a corrupção, violência e a instabilidade política no país. Organizados por meio das redes sociais, esses jovens adotaram o símbolo do anime “One Piece” como emblema de sua luta por mudanças estruturais e um futuro digno, após testemunharem a queda de sete presidentes na última década.
No dia 15 de outubro de 2025, os protestos em Lima enfrentaram dura repressão policial, com uso de balas de borracha e gás lacrimogêneo, resultando em um morto e cerca de 100 feridos. Apesar da violência e das prisões arbitrárias, a mobilização juvenil segue forte, impulsionada pela demanda social e pelo combate à pobreza estrutural.
O governo, liderado desde outubro pelo presidente José Jerí – que tomou posse após impeachment de Dina Boluarte – enfrenta críticas por autoritarismo e acusações de corrupção, enquanto a Geração Z peruana tenta transformar a indignação em ação política concreta para mudar os rumos do país.
Bangladesh (2024)

Um policial de Bangladesh dispara gás lacrimogêneo para dispersar protestos estudantis em Daca, em 19 de julho de 2024 – AFP
Em 2024, Bangladesh enfrentou uma das mais graves crises políticas de sua história recente, após semanas de protestos liderados por estudantes contra a reintrodução de um sistema de cotas no serviço público. A mobilização, inicialmente restrita à questão educacional, rapidamente se transformou em um movimento nacional contra o governo da primeira-ministra Sheikh Hasina, no poder desde 2009.
A repressão violenta, que resultou em cerca de 300 mortes, milhares de feridos e mais de 10 mil prisões, culminou na renúncia de Hasina em 5 de agosto do ano passado, após invasão de sua residência oficial e crescente pressão social. Com o país sob toque de recolher e bloqueios digitais, as Forças Armadas anunciaram a formação de um governo interino. A juventude, motivada pela desigualdade e pelo desemprego, protagonizou as manifestações e passou a exigir reformas estruturais, justiça para as vítimas da violência estatal e restabelecimento das liberdades democráticas.
Sri Lanka (2022)

Manifestantes protestam do lado de fora do gabinete do primeiro-ministro do Sri Lanka, em Colombo
O Sri Lanka enfrentou uma intensa crise política e econômica em 2022, marcada por protestos massivos contra o governo da família Rajapaksa, em meio à escassez de alimentos, combustível e medicamentos. Dezenas de milhares de manifestantes, incluindo uma forte participação dos jovens, invadiram residências oficiais, pressionando o presidente Gotabaya Rajapaksa a anunciar sua renúncia.
A situação gerou incertezas sobre o futuro político do país, com especialistas apontando dificuldades para a formação de um governo interino estável. Apesar do apoio parlamentar da família Rajapaksa, o país exigia mudanças profundas para superar a crise, e o Fundo Monetário Internacional (FMI) sinalizou que reformas estruturais seriam essenciais para a recuperação econômica. A expectativa era de que o novo governo enfrentasse o desafio de restaurar a ordem e implementar transformações políticas duradouras.
Semelhanças com outros momentos da história recente
Segundo diversos especialistas, os recentes protestos da Geração Z em vários países asiáticos, como Nepal, Indonésia, Bangladesh e Sri Lanka, trazem à tona semelhanças marcantes com a Primavera Árabe – movimento de massas que, no início da década de 2010, derrubou governos no Oriente Médio e Norte da África.
Em ambos os casos, jovens nascidos na era digital lideram manifestações contra corrupção, autoritarismo e desigualdade econômica, usando as redes sociais como ferramentas para organização e mobilização. Apesar de cenários políticos distintos, internacionalistas apontam que o descontentamento geracional, o papel descentralizado dos líderes emergentes e a luta por mudanças estruturais unem esses movimentos. Contudo, alertam para os riscos de transições frágeis e ressaltam que a continuidade dessas mudanças dependerá da institucionalização das demandas dos jovens.
Além da Primavera Árabe, outro evento recente que serve para critério de comparação são as manifestações de junho de 2013 no Brasil. Na ocasião, jovens também saíram às ruas motivados por insatisfação com a corrupção, a desigualdade social e a má gestão pública. Assim como nos outros casos, o ativismo digital teve papel fundamental na mobilização e organização das mobilizações, com o uso intenso das redes sociais para convocar protestos e difundir suas pautas.
Além disso, tanto em 2013 quanto nos recentes movimentos juvenis, observa-se uma forte rejeição às lideranças políticas tradicionais e uma busca por participação descentralizada, muitas vezes dando ênfase a “outsiders” e posturas apolíticas.
Normalização da violência e ‘apolítica’ da Geração Z
Os protestos liderados pela Geração Z em países como Nepal, Bangladesh, Peru e Indonésia refletem não apenas uma onda global de mobilização juvenil, mas também uma crescente desconfiança dessa geração em relação à democracia como modelo de governo. Segundo pesquisa da Open Society Foundations divulgada em setembro de 2023, apenas 57% dos jovens entre 18 e 35 anos ainda preferem viver em regimes democráticos – índice significativamente menor do que entre as gerações mais velhas.
Esse ceticismo não necessariamente indica simpatia pelo autoritarismo, mas sim uma resposta à percepção de que as democracias atuais falham em entregar resultados concretos: segurança, combate à corrupção, justiça social e ação climática.
Além disso, a crescente normalização da violência entre a Geração Z aparece como um fator íntimo à atmosfera dos protestos recentes. Por exemplo, um levantamento feito pela Youth Endowment Fund no ano passado descobriu que cerca de 70% dos adolescentes de 13 a 17 anos disseram ter visto conteúdo de violência real nas redes sociais – sendo que 35% viram cenas com armas. Dados dos EUA também apontam que as armas já são a principal causa de morte de jovens da Geração Z no país, número que ultrapassa acidentes de carro para esse grupo.