Como se não bastasse a crise sem precedentes gerada pela pandemia, a ruína da indústria petrolífera causada pelo chavismo fez a Venezuela entrar em colapso. A economia de um dos maiores produtores mundiais de óleo já definhava diante de anos de administrações ruinosas. O avanço da Covid-19, que derrubou as cotações petróleo no mundo, ajudou a jogar a última pá de cal. Pela primeira vez em um século, o país não tem quase nenhuma plataforma fazendo perfurações. Poços foram abandonados deixando a economia de cidades petrolíferas completamente arrasadas.

O ditador Nicolás Maduro afastou profissionais e entregou a direção da estatal de petróleo para militares que apoiam o regime (Crédito:Divulgação)

Refinarias que trabalhavam a todo vapor para exportação hoje estão reduzidas a um monte de metal enferrujado, que deixa o petróleo vazar por todos os lados, poluindo a costa venezuelana. A escassez atingiu até os combustíveis, que eram vendidos a preços irrisórios. Isso levou à paralisação de postos de gasolina. A Venezuela, que esteve no centro do mercado internacional de energia por quase cem anos, está encerrando seu papel de potência na área.

A queda foi em ritmo alucinante. O país era o maior produtor da América Latina há uma década, ganhando cerca de US$ 90 bilhões por ano com as exportações de petróleo. Hoje, recebe menos de 3% disso. Deve arrecadar neste ano cerca de US$ 2,3 bilhões. A produção é a mais baixa em quase 70 anos. O declínio era previsível. A Petróleos de Venezuela (PDVSA) foi aparelhada para abrigar representantes do regime, com o afastamento dos profissionais. As sanções internacionais, principalmente dos EUA, forçaram a maioria das petrolíferas a parar de perfurar ou comprar o óleo venezuelano.

A intervenção do governo no mercado, a ameaça de encampação de empresas, a falta de transparência nos índices oficiais, a hiperinflação e a instabilidade econômica também afugentaram os investimentos, levando ao sucateamento. O regime chavista foi socorrido por países ideologicamente próximos, como Rússia e Irã, e China, de olho no óleo e na expansão de sua influência no continente, mas a ajuda deles não foi suficiente. Quem pagou os custos da crise foi o povo. Mais de cinco milhões de venezuelanos, um em cada seis habitantes, fugiram do país desde 2015, criando uma das maiores crises de refugiados do mundo, de acordo com as Nações Unidas. O país ostenta a maior taxa de pobreza da América Latina, ultrapassando o Haiti, segundo estudo de universidades da Venezuela.

Protestos reprimidos

O declínio diminuiu a relevância de um país que há uma década rivalizava com os EUA pela influência regional. Também reafirma o que analistas sempre advertiram: a aposta exclusiva no petróleo teria um custo alto. A fonte de dinheiro que antes parecia infinita não se traduziu em desenvolvimento. “A Venezuela tem a maior reserva de petróleo do mundo, mas cometeu um erro estratégico, depender mais de 50% de um único produto”, afirma o professor de macroeconomia da Fipecafi, Silvio Paixão.

A escassez de gasolina levou à eclosão de protestos diários nos estados, mas a repressão mantém a população sob controle. Na capital, Caracas, os embarques de combustível vindo do Irã e pagos com reservas de ouro remanescentes dão uma aparência de normalidade. Já nas cidades petrolíferas, o óleo, que antes fornecia empregos e mobilidade social, está envenenando o sustento das pessoas. Em Cabimas, cidade às margens do Lago Maracaibo, que já foi centro de produção, vazamentos de poços e oleodutos abandonados cobrem praias e animais.

Membro fundador da Organização dos Países Exportadores de Petróleo (Opep), em 1960, a Venezuela ajudou as nações árabes a assumir o controle da riqueza. Apesar da receita abundante, a Venezuela não aproveitou para dar um salto e distribuir recursos para a sociedade. A riqueza não diminuiu a corrupção ou a desigualdade. Hugo Chávez, que chegou ao poder pelo voto depois de tentar um golpe, levou o país ao caos. Nacionalizou ativos e permitiu que aliados saqueassem as receitas do petróleo. “O discurso era bom, porque as elites se apropriavam das riquezas. Mas na prática não funcionou”, diz o professor Antonio Carlos Gonçalves, da FGV EPGE. A indústria entrou em queda livre no ano passado, quando Nicolás Maduro enfrentou maior resistência da comunidade internacional, com novas sanções e abandono de parceiros. Depois do fim da era da abundância, o país mergulhou em uma decadência que só será revertida por uma mudança política ainda sem data para começar.