A Assembleia Legislativa de São Paulo (Alesp) aprovou um projeto de lei na noite de quarta-feira, 27, que põe fim à meia-entrada de eventos culturais e esportivos no Estado de São Paulo. No texto, assinado pelo deputado Arthur do Val (Patriotas), conhecido como Mamãe Falei, a ideia é que não haja diferença na venda de ingressos para todas as categorias com direito ao benefício, como estudantes e idosos. Assim, cinemas, shows, exposições e jogos em estádios passariam a cobrar um preço único pelo ingresso, dispensando a obrigatoriedade de se reservar cotas de no mínimo 40% dos bilhetes a serem destinados à meia-entrada. “A ideia é acabar com a meia-entrada. Hoje, o estudante rico paga metade, enquanto a empregada, o pedreiro e o lixeiro pagam o valor inteiro. Na prática, se todos têm, ninguém tem”, disse o parlamentar. Agora, o projeto segue para a sanção do governador João Doria, que está em Dubai. Se aprovado, mudará a prática da cobrança em São Paulo.

A aprovação do projeto que, na prática, extingue a meia-entrada, tem apoiadores no meio cultural, embora muitos empresários da noite evitem o assunto por saberem se tratar de algo polêmico e impopular entre os estudantes. Muitos não responderam às ligações ou preferiram não dar suas opiniões à reportagem. Mas outros falaram. André Sturm, cineasta e presidente do Belas Artes Grupo, que controla as salas de cinema Belas Artes, na Rua da Consolação, foi direto: “A meia-entrada é um instrumento elitista, excludente, que faz o preço do ingresso ser muito mais alto do que deveria”, comentou. “O que acontece em São Paulo, especificamente, é que 60% ou 70% dos ingressos são vendidos assim, aí os cinemas precisam multiplicar o preço final por dois. Por que o estudante paga meia-entrada e o motorista de Uber não?”

Christian Zucchi Tedesco, vice-presidente executivo do Grupo Tom Brasil, que controla a casa de espetáculos Tom Brasil, em São Paulo, diz o que pensa: “A meia-entrada é ótima na ideia, tem no mundo todo. Um projeto para dar acesso à cultura para pessoas necessitadas e à classe média também. Fantástico. Mas, ao mesmo tempo, se torna horrível na forma como é implementada no Brasil. Ela acaba fazendo com que o preço do ingresso seja muito mais caro do que já é e cria distorções.”

Tedesco faz uma comparação com o setor de transporte. “O poder público deveria fazer como faz com as empresas de ônibus: ele paga a parte dos bilhetes destinada com desconto aos trabalhadores. Não deixa que os empresários do setor arquem com o prejuízo.”

Para ele, o pensamento de se exigir custos pela metade para promover inclusão cultural no País deveria ser extensivo ao setor de livros e de cursos. Tedesco vê como um desequilíbrio provocado pela lei o fato de estudantes com aparente poder aquisitivo pagarem meia-entrada, alunos de mestrado e doutorado de faculdades caras pagarem meia para assistirem a shows em camarotes que custam R$ 1 mil. “Não estamos tirando o lugar de alguém que realmente precisaria de pagar menos para ter acesso a um show?” E sugere: “Por que não se coloca a meia-entrada ao menos para os setores mais baratos?”

A Umes, União Municipal dos Estudantes Secundaristas de São Paulo, promete uma reação forte e mobilizadora para evitar que a lei seja sancionada. “Não será o fim da meia-entrada. Não vamos medir esforços e vamos nos mobilizar para que esse projeto seja vetado pelo governo. A lei da meia-entrada é uma conquista dos estudantes”, diz Lucca Gidra, diretor de Cultura da Umes. “Esse projeto já seria insensível em qualquer momento, mas fica pior quando é aprovado em um momento de crise econômica.”

Célia Forte, autora e produtora do meio teatral, diz o seguinte: “Sendo único, o preço do ingresso pode baixar muito. O que deveria acontecer é que se deixasse a cargo do produtor a categoria que ele gostaria de beneficiar com a meia-entrada, além da classe estudantil e de aposentados e idosos. Definitivamente, o bem mais precioso, o mais precioso mesmo, para continuarmos a produzir cultura neste país é as pessoas pagarem por seus ingressos. Como pagam por tudo que usufruem”.

Para Eduardo Saron, fim da meia-entrada pode ajudar produtores e consumidores de cultura

Eduardo Saron, diretor do Itaú Cultural e um observador das relações entre aparelhos públicos, privados e consumidores de cultura, tem uma opinião sobre o eventual fim da meia-entrada em São Paulo. Para ele, o projeto de lei, se aprovado pelo governador João Doria, pode dar chances para que provedores privados de cultura e o público cheguem a um ponto de equilíbrio.

Como o senhor recebe a notícia da possibilidade do fim da meia-entrada em São Paulo?

A meia-entrada é algo reconhecido, diminui a capacidade de previsibilidade do produtor cultural no momento em que ele faz o planejamento de suas contas e traz uma incerteza adicional para a bilheteria. Era uma situação que deixava esse produtor fragilizado. Por outro lado (sobre os interesses dos consumidores), é bom lembrar que os projetos que contam com leis de incentivo para serem realizados seguirão tendo de apresentar, por lei, preços mais acessíveis e até gratuidades.

O que o fim do benefício pode ajudar o consumidor de cultura?

Eu considero que há uma grande oportunidade de diálogo dos produtores culturais com os setores que se beneficiam da meia-entrada para que possam ocupar de forma mais equalizada e com preços acessíveis e até mesmo gratuitos os dias e horários com baixa presença do público em geral.

O produtor cultural pode achar isso interessante?

Sim, ele passa a ter justamente a capacidade de prever esse custo em seu planejamento e não mais ter as incertezas que eram produzidas com a obrigatoriedade da meia-entrada.

Se o fim da meia-entrada for de fato aprovado, as pessoas, em sua opinião, passam a ter um maior poder para exigir preços realmente mais baixos pelos ingressos? Afinal, a obrigatoriedades das meias sempre foi a maior desculpa pelos ingressos muitas vezes exorbitantes.

Sim, esse sempre foi o ponto colocado pelos produtores de espetáculos. Esse diálogo, se for feito com transparência e respeito, pode fazer, no final da jornada, com que a ocupação das salas e casas seja melhor com benefícios a estudantes e idosos e que as contas dos produtores seja equilibrada.