14/11/2024 - 8:00
Principal representante dos sindicatos patronais de São Paulo, a FecomercioSP (Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo) entende que uma aprovação da PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Fim da Escala 6×1, que propõe substituir o regime de 44 horas semanais de trabalho distribuídas em até seis dias por 36 horas semanais divididas em quatro dias geraria um saldo de redução de salários do setor que mais emprega no país — as empresas de pequeno e médio portes.
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O projeto alcançou na quarta-feira, 13, o número exigido de assinaturas para tramitar na Câmara dos Deputados e tem uma forte mobilização favorável nas redes sociais, mas Ivo Dall’Acqua Júnior, presidente da Fecomercio, afirmou ao site IstoÉ que a discussão em torno do tema não considerou fatores importantes, como os índices de produtividade e a baixa qualidade dos empregos gerados no Brasil.
Para Dall’Acqua, as negociações coletivas já possibilitam a redução do regime, como demonstra a média da jornada brasileira — de 39 horas semanais –, inferior ao teto estabelecido pela Constituição.
Leia a seguir a entrevista:
IstoÉ Presidente, 10 países integrantes do G20 têm médias de jornadas de trabalho inferiores à brasileira e o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Geraldo Alckmin, afirmou que a redução desses números é uma tendência global. O senhor vê essa tendência se reproduzir no mercado brasileiro?
Ivo Dall’Acqua Há uma tendência internacional, não necessariamente brasileira. Acontece que [para ser adotada no Brasil] essa discussão precisa ser aprofundada. Em primeiro lugar, porque nossa produtividade é baixa, está num patamar muito inferior à dos países que promoveram esse ajuste. Não se pode comparar a produtividade dos trabalhadores alemães ou coreanos com a nossa, sem desqualificar a mão de obra brasileira.
O segundo ponto é que nossa economia evoluiu pouco. O setor primário, que é o agrícola, ainda é a principal força econômica brasileira e o que registra maior evolução. Nós estamos gerando muitos empregos, mas a qualidade dessa geração é baixa. Falta investimento em formação e na aplicação dos efeitos dessa formação.
IstoÉ Em posicionamento emitido sobre a PEC, a Fecomercio argumentou que empresas de pequeno e médio portes, que concentram a maior parte dos empregos brasileiros, terão dificuldade em se adequar à redução da jornada sem reduzir salários. Há uma estimativa do tamanho desse impacto no setor?
Ivo Dall’Acqua Podemos falar em exemplos práticos, não objetivamente. Em números absolutos, a redução da jornada gera um custo adicional de 18% por trabalhador. Mas, quando uma empresa tem dois trabalhadores e precisa contratar um terceiro para completar seu tempo de funcionamento ou entrega, o impacto né maior, porque essa empresa não tem condição de contratar 1/3 de trabalhador para suprir o que falta.
No caso de uma organização que tem 200 empregados e precisará chegar a 300, o aumento do custo fica na casa dos 35%. Em um cenário pouco competitivo economicamente, a tendência é que fique menos ainda [se houver a redução].
IstoÉ A proposta não estabelece uma diretriz para que os empregadores alterem os contratos vigentes com seus empregados a partir da redução da jornada. As empresas representadas pela federação manifestaram preocupação com esse processo?
Ivo Dall’Acqua Veja, nós tivemos a reforma trabalhista em 2017 e, até hoje, não houve decisão a respeito da intertemporalidade de adequação aos efeitos dela. O Judiciário não firmou convicção, não decidiu se as novas regras eram autoaplicáveis ou os contratos vigentes antes da reforma teriam de ser alterados.
Nós acordamos marcos de segurança judiciais junto às entidades que representam os empregados, convenções coletivas foram concretizadas no correr do tempo, mas há situações que ficam pendentes. É difícil de precificar o nível de insegurança jurídica gerado pelas decisões que vem da Justiça do Trabalho, cuja atuação vai além dos dispositivos legais. O investidor quer segurança jurídica; ele quer saber se, ao arriscar seu capital, terá a segurança de que as regras instituídas fluirão.
IstoÉ A Fecomercio defendeu um mecanismo já existente — a negociação coletiva — para promover alterações na jornada de trabalho de cada categoria, em posicionamento similar ao do ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho, sobre a pauta. Esse tipo de negociação, que em muitos casos depende da atuação dos sindicatos, é concreto e efetivo para, havendo consenso, promover mudanças dessa dimensão?
Ivo Dall’Acqua Tanto é que a Constituição estabeleceu as 44 horas semanais como o teto da jornada de trabalho admissível, mas a média da jornada de trabalho no Brasil é menor [39 horas semanais, 11ª posição entre os países do G2O], porque nós temos muitas categorias que têm jornadas de 40 horas, o que foi pactuado em acordos e convenções alcançados com negociações coletivas.
No caso da saúde, por exemplo, a pactuação das jornadas de 12 por 36 [12 horas trabalhadas em um dia, seguidas de 36 horas de descanso] faz com que os trabalhadores alternem entre 180 e 192 horas mensais, o que de todo modo está abaixo do teto constitucional. O Brasil reconhece a pactuação das negociações coletivas além do que é legislado, desde que se respeite o patamar da Constituição, e o Ministério do Trabalho tem uma comissão especial tripartite que atua para valorizar esse tipo de acordo.
Como o país é desigual, nem todas as atividades econômicas evoluíram com o mesmo vigor e eficiência, e fato é que há um viés verticalizado nas relações de trabalho: em uma negociação individual, a empresa é o poder econômico, e o empregado chega à hipossuficiência, não tem condições iguais de negociar. Mas a negociação coletiva serve justamente para estabelecer um equilíbrio. É por isso que, nessa discussão sobre redução da jornada de trabalho, deve-se atuar para valorizar o princípio da autonomia coletiva privada.