A mobilização pela redução do regime de 44 horas semanais de trabalho divididas em seis dias — a chamada “escala 6×1” — nas redes sociais e nas ruas resultou em 108 assinaturas de deputados federais. Com 171 adesões, o projeto poderá tramitar como PEC (Proposta de Emenda à Constituição) no Congresso.
O que está sendo proposto
O texto apresentado pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP) propõe que o regime de trabalho estabelecido na Constituição Federal de 1988 — de 44 horas semanais distribuídas em até seis dias e a obrigatoriedade de 24 horas de descanso após o sexto dia trabalhado — seja substituído por um regime de 36 horas semanais e a adoção da escala 4×3, em que quatro dias de trabalho são seguidos por três de descanso.
A base para a proposta é um abaixo-assinado do VAT (Vida Além do Trabalho), movimento que, inspirado em uma tendência internacional, associa o excesso de trabalho à exaustão e aos distúrbios psicológicos, e demanda equilíbrio entre produtividade, vida pessoal e saúde mental. A petição para erradicar a escala 6×1 alcançou 1,3 milhão de assinaturas virtuais.
Levantado pelo movimento social, o texto defende que a jornada atual “frequentemente ultrapassa os limites razoáveis e causa exaustão física e mental dos trabalhadores”, argumenta que a semana de quatro dias foi adotada por outras nações e pode gerar “cerca de 6 milhões de postos de emprego” no país, estimativa adaptada de um estudo do Dieese (Departamento Intersindical e Estatística e Estudos Socioeconômicos) que projetou 2,5 milhões de novos empregos, no limite, em caso de redução da jornada de trabalho de 44 para 40 horas semanais.
A mobilização
Em entrevista ao site IstoÉ após se eleger vereador pelo Rio de Janeiro, Rick Azevedo (PSOL), fundador do movimento, argumentou que a política tem o compromisso de “assegurar qualidade de vida e equilíbrio [aos trabalhadores]. A redução da jornada, por exemplo, não é uma concessão, mas uma necessidade urgente, especialmente em um contexto de esgotamento físico e emocional que afeta tantos trabalhadores” e prometeu que, embora tenha conseguido uma vaga na Câmara Municipal, pressionaria o Congresso pela pauta.
Desde que Hilton levou a demanda a Brasília, Azevedo organizou mobilizações na rua, nas redes sociais e foi ao gabinete de parlamentares pressionar pela assinatura do projeto — estratégia similar à adotada por movimentos conservadores para munir políticos em torno de projetos de seu interesse.
No campo digital, o termo “Fim da escala 6×1” ocupava o topo dos assuntos mais comentados do X (antigo Twitter) no Brasil na tarde de segunda-feira, 11, mesmo período em que o Google registrava 89% mais pesquisas do que a média pelo termo “Escala 6×1” entre usuários brasileiros. Artistas e influenciadores se posicionaram publicamente sobre a discussão e, em meio à pressão, a proposição chegou a 108 assinaturas.
O que acontece agora
Por se tratar de uma discussão a respeito da Constituição, o caminho de tramitação na Câmara é como PEC, que tramita se for apresentada por 1/3 dos deputados (171).
Depois disso, a CCJ (Comissão de Constituição e Justiça) da Casa avalia a constitucionalidade da proposta. Em alguns casos, a aprovação em uma comissão basta para aprovar um texto; no caso da PEC, em especial uma que move o debate público, os deputados convocam audiências para ouvir pessoas ligadas à discussão e prolongam a tramitação em uma comissão especial.
Se for aprovada pela maioria dos integrantes dessa comissão, a PEC vai a votação em plenário, pelos 513 deputados, em dois turnos, com a possibilidade de fazer alterações. O aval depende de 308 votos; se aprovada, a proposta segue para o Senado, onde também depende da avaliação positiva de 3/5 da Casa (49 senadores).
A viabilidade
O principal entrave encontrado pela proposta até aqui se deu junto aos setores conservadores do Parlamento, que são minoria entre as assinaturas coletadas para tramitação e, por consequência, se projetam como resistência ao projeto nas votações.
Nas fileiras progressistas, o deputado Rubens Otoni (PT-GO), um dos 108 signatários, afirmou que a proposta “significa mais tempo para [os trabalhadores] investirem em sua formação profissional e no tempo com a família, o que pode favorecer sua saúde mental”. Sem adesão formal do governo federal à PEC, Otoni disse ao site IstoÉ que ela “não é de governo ou oposição” e “sensibiliza pelo seu humanismo e modernidade nas relações de trabalho”.
Na oposição, o deputado Amom Mandel (Cidadania-AM) disse não concordar a princípio com o texto apresentado e pediu um “estudo de impacto econômico” a sua equipe para avaliar com profundidade. “Há a promessa de uma audiência pública na Câmara sobre o assunto, pretendo ouvir os especialistas e diferentes pontos de vista”, concluiu.
Ministro do Trabalho e Emprego, Luiz Marinho disse que uma redução de jornada para 40 horas semanais — menos expressiva do que a apresentada — é “possível e saudável”.
Como dito em nota, o @MTE entende que a questão da escala de trabalho 6×1 deve ser tratada em convenções e acordos coletivos de trabalho. A pasta considera, contudo, que a redução da jornada para 40H semanais é plenamente possível e saudável, quando resulte de decisão coletiva.
— Luiz Marinho (@luizmarinhopt) November 11, 2024
Advogada trabalhista do escritório Aparecido Inácio e Pereira Advogados Associados, Rithelly Eunilla explicou que a proposta prevê uma redução gradual na jornada de trabalho, de uma hora a cada ano após aprovação. Por este cálculo, na prática, serão oito anos até a adesão das 36 horas semanais de produção.
“A redução gradativa da carga horária diária dará às empresas uma oportunidade de reorganização institucional no intuito de atender a suas demandas, seja contratando novos funcionários ou realizando um acordo ou convenção coletiva de compensação de horas, como prevê a emenda constitucional”, disse ao site IstoÉ.
Para Arthur Felipe Martins, advogado trabalhista e especialista em processo do trabalho, a redução da jornada poderá abrir margem legal para a redução de salários. “A lei atual impede que o empregador reduza a remuneração do empregado. Mas a própria Constituição admite a flexão do salário conforme a jornada contratada; um se um empregado é contratado para 40 ou 44 horas semanais e passa a trabalhar 36, ele poderá sofrer uma alteração proporcional no salário”, afirmou ao site IstoÉ.
De acordo com o advogado, essa e outras aberturas acontecem porque o texto não prevê uma norma para a adaptação dos contratos em vigor, o que relegaria a negociações coletivas a responsabilidade por “viabilizar a manutenção da quantidade de postos de trabalho” e minimizar o impacto nas remunerações.
“A adoção de um modelo onde o serviço desempenhado é mais importante do que as horas trabalhadas seria uma alternativa à eterna dicotomia entre vida profissional e a pessoal. No entanto, isso passa por uma mudança cultural: se há uma obrigação do controle da jornada de trabalho, é porque há abusos, tanto de empregadores quanto de empregados“, concluiu Martins.