A mobilização pela PEC (Proposta de Emenda à Constituição) do Fim da Escala 6×1, que começou com o movimento VAT (Vida Além do Trabalho) e virou pressão sobre deputados até que o texto atingisse o número exigido de assinaturas para tramitar no Congresso envolveu um engajamento popular superior ao de outras discussões políticas, mesmo quando elas envolvem temas sensíveis.

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Para cientistas políticas ouvidas pelo site IstoÉ, a possibilidade de substituir, por meio de uma emenda à Constituição, o regime de 44 horas semanais de trabalho distribuídas em até seis dias pelas 36 horas divididas em quatro dias de expediente atraiu para o debate um segmento da população que, nos últimos anos, havia passado a rejeitar a política.

As avaliações são de Carolina Botelho, cientista política do Iesp (Instituto de Estudos Sociais e Políticos) da Uerj (Universidade Estadual do Rio de Janeiro), e Graziella Testa, professora da EPPG (Escola de Políticas Públicas e Governo) da FGV-SP (Fundação Getulio Vargas).

Entenda a tramitação da PEC

Movimento sob análise

IstoÉ Um diagnóstico feito por lideranças de esquerda após as eleições municipais foi de que o campo perdeu conexão com trabalhadores. Essa PEC foi apresentada pela deputada Erika Hilton (PSOL-SP) e ganhou tração a partir da adesão das bancadas de esquerda. Esse espectro está retomando o protagonismo das pautas que impactam o trabalhador brasileiro?

CB Não é possível afirmar de forma tão clara que a esquerda perdeu a conexão com a nova classe trabalhadora, porque essa classe é composta por diferentes tipos de trabalhador. O que há no Brasil e em outros países é um contingente crescente de população desprotegida pelo Estado, que precisa aderir a condições precarizadas de trabalho. Esse grupo, que se divide em vários segmentos do mercado, demonstra estar mais indignado e desconfortável com a classe política brasileira, não necessariamente à esquerda.

A partir disso, o que acontece é que políticos de direita adotaram o discurso da antipolítica como bandeira para sua atuação. Como há uma classe trabalhadora que se vê identificada nisso, é natural que ela se engaje em candidaturas que entoam esse discurso.

A discussão do fim da escala 6×1 conseguiu reunir pessoas de todos os segmentos porque ela atinge todos os trabalhadores que têm se sentido prejudicados por esse regime, sejam eles eleitores da extrema direita ou da esquerda. Ela escalou a ponto de ganhar uma força politica que naturalmente não teria, justamente porque move a maior parte da sociedade. Ela atinge um mercado de trabalho que independe da questão ideológica e, por isso, é capaz de unir do PSOL ao União Brasil.

GT Existe uma dificuldade do sistema político — portanto, também da esquerda — em lidar com um contingente crescente de trabalhadores informais. As respostas que sempre foram dadas às questões do mundo do trabalho deixaram de resolver, porque uma parte relevante da população atua de forma autônoma, empreende, e não se divide mais de forma tão clara entre proprietários e empregados. Esse setor deixou de crer na política como forma de resolver os problemas que enfrenta.

O que é sui generis não é que a esquerda assuma o protagonismo de uma discussão pública relacionada ao mundo do trabalho, mas que assuma o protagonismo de qualquer debate no contexto atual. Esse campo tem atuado de forma reativa e, de repente, viu uma pauta nascer de sua base — de um vereador eleito e líder de um movimento social — e repercutir além da esfera da política. Mesmo a cobrança do eleitorado de parlamentares da direita sobre essa causa revela que há um eleitorado que precisa ser complexificado, não é uníssono, e por isso mesmo não pode ser tratado sob uma configuração desatualizada.