Quando o diretor sul-coreano recebeu o Globo de Ouro na categoria de Melhor Filme Estrangeiro por seu aclamado longa “Parasita”, ele trouxe uma reflexão sobre a necessidade de que os cinéfilos ultrapassem a ideia de legendas como obstáculos.

“Vocês abrirão as portas para muito mais filmes interessantes”, ele alertou, retomando a discussão que sempre cercou Hollywood: poderiam filmes em língua estrangeira realmente conquistar o grande público americano e vencer a disputa na Academia?

“Parasita”, um longa com humor ácido sobre as diferenças de classes, recebeu seis indicações ao Oscar, incluindo o de “Melhor Filme” e “Melhor Diretor”.

Depois da vitória histórica do filme coreano por receber o prêmio de maior destaque no SAG Awards, cerimônia organizada pela Federação Americana de Artistas de Televisão e Rádio, alguns acreditam que o longa tenha chances reais na Academia.

Isso, no entanto, seria um marco na história do cinema: nunca nenhum filme de língua estrangeira foi premiado pela Academia com o Oscar de “Melhor Filme”.

Para muitos cinéfilos, o desafio de aceitar legendas é algo mais complexo. Elas exigem que o espectador mantenha a atenção na parte de baixo da tela, fazendo com que alguns detalhes visuais possam passar despercebidos. Já outros, no entanto, argumentam que as legendas lhes permite manter um foco maior na história.

De qualquer forma, a língua inglesa é o carro-chefe em Hollywood e no mercado cinematográfico americano, fazendo com que seja o idioma preferido durante a temporada das premiações.

Segundo Fredell Pogodin — consultora veterana na Academia que ajudou a promover diversos longas, como o vencedor “Roma”, de “Melhor Filme Estrangeiro” — o obstáculo não é somente na questão do idioma, mas do conteúdo.

“Não é somente porque há legendas. Para começar, eles não são filmes comerciais, são filmes artísticos”, ressalta Pogodin à AFP.

“Há um público específico que é atraído para assistir esse tipo de filme. Geralmente é um público mais selecionado”, explica a consultora, acrescentando que é difícil convencer o espectador americano comum a gastar dinheiro com filmes que precisam de um atenção dobrada por causa da leitura.

– ‘Miopia cultural’ –

“Parasita” apresenta a rotina de uma família sul-coreana à medida que eles são integrados à vida de uma família rica, em uma trama que termina em tragédia.

De acordo com informações do Box Office Mojo, o filme já obteve US$ 31 milhões nas bilheterias americanas, e mais de US$ 160 milhões em todo o mundo.

As críticas sobre o longa e as expectativas quanto ao Oscar incentivaram os espectadores a ir assisti-lo no cinema, mas esses números estão anos-luz de distância de um blockbuster.

Até mesmo filmes indie americanos raramente registram números incríveis de bilheteria.

“O espectador americano comum vai em média a três ou cinco filmes no cinema ao ano”, conta Tom Nunan, produtor de “Crash – No limite”, que levou o Oscar de “Melhor Fotografia”.

“Você acha que eles vão ver um filme coreano? Com legendas? Até parece”, diz.

Pogodin, que se aposentou, explica que as campanhas para o Oscar não são necessariamente baseadas na audiência geral, mas sim a partir das críticas aclamadas e o hype gerado durante as exibições nos festivais.

Nunan, por sua vez, é categórico. Segundo o produtor, ele faz parte da “maior elite do cinema artístico do West Side de Los Angeles”, e diz que até esse seu grupo de amigos exige saber antes de ir ao cinema se o filme que assistirão será em alguma língua que não a inglesa.