Cinema Novo, vencedor do L’Oeil d’Or de melhor documentário no Festival de Cannes deste ano, é imersão radical no Brasil em ebulição dos anos 1960, com os filmes dialogando de forma direta com a montanha russa política da época. Da esperança de mudança do começo dos sixties ao trauma do golpe de 1964, passando pelas desilusões que se seguiram, até o acirramento da ditadura com a edição do Ato Institucional n.º 5, em dezembro de 1968, tudo está lá, impresso nas imagens, de forma direta ou alegórica.

Cinema Novo foi feito ao longo de nove anos e envolve citação de 130 filmes. Trabalha com trechos de clássicos como Terra em Transe, Os Fuzis, Vidas Secas, Deus e o Diabo na Terra do Sol, mas também com títulos como Manhã Cinzenta, de Olney São Paulo, e Os Deuses e os Mortos, de Ruy Guerra. O panorama é amplo, e inclui obras de diretores não associados ao Cinema Novo, como Roberto Santos, Walter Hugo Khouri e Luis Sérgio Person. A montagem é orgânica e ressoa o vigor de uma época em efervescência, em que se pensava o País com intensidade, erotismo, visão política. Tudo se conectava através dos filmes e sacar esse elo comum é mérito do documentário.

Filme que não é registro do passado mas comentário do presente. Trata-se de, em outro momento de transe e luto, resgatar o espírito daquele movimento. Depois do apogeu, o Cinema Novo se acomodou. Ou terminou com o AI-5, como sustenta Cacá Diegues. O cinema dito “marginal” tomou a frente da contestação, em outro nível. E, quem atuava no Cinema Novo reciclou-se no cinema-espetáculo da Embrafilme, em sua versão nacional-popular. No entanto, o gume crítico continua lá, afiado, latente. O Cinema Novo não precisa ser um fardo, herança pesada demais para as novas gerações. Pode ser fonte de inspiração. E não apenas para cineastas.