Filme que fez de Jorge Bodanzky um cineasta, Iracema- Uma Transa Amazônica nasceu seis anos antes de começar a ser rodado – mais precisamente, na rodovia Belém-Brasília, em 1968. Bodanzky era fotógrafo da revista Realidade e esperava o colega repórter levantar dados para uma reportagem num posto de gasolina. “Fiquei dois dias observando a movimentação de jovens prostitutas, de 12, 13 anos, em torno do posto, rondando os caminhoneiros”, conta. Hermano Penna, amigo roteirista, se encarregou de desenvolver um argumento. Hector Babenco colaborou num primeiro momento.

Orlando Senna acabou codirigindo. Não havia entre eles a consciência de que o nome Iracema era um anagrama de América, como insinua um crítico norte-americano, que viu no docudrama – “nem era esse o nome, na época” – uma grande metáfora. Mesmo assim, o crítico escreveu que se tratava de uma parábola sobre o destino de um continente miscigenado à deriva.

A história de Tião, o caminhoneiro, e Iracema, a jovem prostituta que viaja com ele Brasil afora, em todo o caso, se adaptava ao propósito de Bodanzky: retratar o que se passava na Amazônia numa época em que a Belém-Brasília já estava concluída e a Transamazônica apenas começava. Além da prostituição, o cineasta queria sobretudo falar da destruição da floresta, do contrabando de madeira, dos grileiros e da megalomania do regime militar, que usou a Transamazônica como propaganda do “Brasil grande”.

Bodanzky não queria uma prostituta de verdade como protagonista. Foi a um programa de auditório numa rádio de Belém, onde escolares matavam aula, e descobriu Edna Cerejo, a Iracema ideal, hoje professora e avó. “Fomos para o Mercado Ver-o-Peso fazer umas fotos e a mãe dela, lavadeira, lhe deu uns safanões por não estar na escola”, conta. Finalmente, a mãe autorizou sua participação nas filmagens que começaram – e não foram interrompidas pelos militares por ser uma produção da televisão alemã, a ZDF. O filme estreou na Alemanha em fevereiro de 1975, mas teve de fazer uma carreira clandestina no Brasil, pois as autoridades se recusavam a considerá-lo um filme brasileiro – e, portanto, não podia obter um certificado da Censura Federal.

Como fez Tião no filme, abandonando a garota num prostíbulo à beira de estrada, o Brasil abandonou a Transamazônica. O resultado é o que se vê hoje. “Penso, porém, que a sociedade civil está mais organizada e vejo que há uma enorme resistência à destruição”, observa Bodanzky. “As pessoas de lá, as comunidades indígenas, podem salvar a Amazônia, mas elas nunca são ouvidas”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.