A primeira risada, o jeito engraçado que o bebê cospe as colheradas da papinha, os primeiros passos que se tornam uma cômica caminhada, o jeito descontraído que ele dança ao ouvir uma música infantil. Para os pais, todos os gestos dos filhos pequenos são “fofos” e é natural que eles queiram dividir cada momento com todo o mundo pelas redes sociais. Esse fenômeno ganhou um termo, o sharenting, ou seja, a junção das palavras share, que significa compartilhar, com parenting, que significa criação. Infelizmente essa atitude não é apenas uma brincadeira de criança e pode trazer consequências ruins para elas no futuro. Estudos mostram que aos 12 anos os jovens possuem, em média, duas mil fotos compartilhadas.

“Elas já têm um rastro digital que pode ser utilizado para diferentes fins”, diz Pedro Hartung, advogado e coordenador do programa Prioridade Absoluta, do Instituto Alana. Isso ocorre porque as redes sociais guardam os dados dos usuários: o rosto, o ambiente em que está, onde estuda, o que gosta, quem são os amigos, quem são os pais e suas preferências pessoais. Recrutadores de empresas vão às redes sociais para saber mais sobre seus candidatos, bem como seletores de vagas para universidades e até empresas de convênio médico. Há ainda o risco de fraudes, do uso dos dados para análise de crédito, para marketing, para reconhecimento facial, para hackear o indivíduo, ou ainda para pedofilia. Pesquisas mostram que, em 2030, dois terços das fraudes de identidade nas novas gerações vão decorrer do sharenting.

Dever dos adultos

Para combater essa tendência, as crianças brasileiras vão ganhar uma proteção legal: no final do ano entra em vigor a Lei Geral de Proteção de Dados, que no Artigo 14 estabelece que os dados das crianças e adolescentes devem ser coletados e tratados “em seu melhor interesse”. Ou seja, um dos pais ou o responsável legal deve consentir a coleta e o uso dos dados da criança em games e redes sociais e, ao completar 18 anos, ela poderá decidir se quer apagar os dados da plataforma.

Dentro dessa discussão, há ainda outro problema: a invasão da privacidade da criança pelos próprios pais. “O direito de imagem é de personalidade, pertence ao indivíduo. A criança é a titular e o adulto, o guardião, mas sempre no melhor interesse dos filhos”, diz Hartung. É comum casos de crianças que não concordam com o uso das fotos que seus pais tiraram delas e compartilharam nas redes. É o caso de Fabiana Santoro, fotografada aos 10 anos com uma taça de champanhe nas mãos em uma viagem para a Disney. Ela viu, contrariada, sua imagem virar um meme. Foi também o que aconteceu com a atriz americana Gwyneth Paltrow, que compartilhou no Instagram uma imagem com a filha Apple Martin, de 14 anos, usando capacete e óculos em uma estação de esqui. “Mamãe, já falamos sobre isso. Não poste nada sem o meu consentimento”, escreveu a jovem. É fato que, com as redes sociais, ter privacidade passou a ser algo raro para os filhos e para os pais, que muitas vezes acabam expostos pelas crianças. É dever dos adultos, no entanto, proteger a prole e criar uma consciência dos riscos de superexposição. É melhor parar e pensar antes de postar.