19/09/2024 - 12:14
Alerta: este texto trará relato de ciclotimia e depressão, podendo gerar gatilho em quem estiver passando por situações semelhantes. Caso você se identifique e esteja pensando em se machucar, procure ajuda de um médico, psicólogo, familiar, ou ligue para o CVV – Centro de Valorização da Vida (ligue 188).
Há cerca de um mês, Theodoro Cochrane revelou que sofre de ciclotimia, um transtorno psíquico, que afeta, principalmente, o humor do indivíduo, e apontou como os sintomas dessa condição influenciavam no seu comportamento, há alguns anos, antes de encontrar o tratamento ideal.
Interessado em compartilhar mais detalhes sobre a doença com o intuito de levar informação às pessoas que podem estar sofrendo com o mesmo transtorno e não sabem, o apresentador do podcast “Theorapia” bateu um papo exclusivo com o site IstoÉ Gente e fez um alerta sobre a importância de se conhecer.
“Observe como você se relaciona com as pessoas no seu trabalho, as pessoas com quem você se envolve emocionalmente, com você mesmo, qual o seu nível de pessimismo com relação à existência. E olha, o tempo e a paciência podem ser muito cruéis e difíceis, mas eles são curativos e as coisas passam. O que você precisa é de autoconhecimento e amor”, declarou.
Filho de Marília Gabriela com o astrólogo Zeca Cochrane, o ator e figurinista revelou que recebeu a confirmação do diagnóstico da doença em um momento conturbado de sua vida, em que tentava parar com o uso de drogas e consumo de bebida alcoólica. Posteriormente, ainda teve de lidar com a morte do pai, incertezas profissionais e o término de um relacionamento amoroso.
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Mas afinal, o que é ciclotimia?
*Cristiane Vaz de Moraes Pertusi, Doutora em Psicologia do Desenvolvimento Humano pela USP e especialista em Abordagem Sistêmica pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP), afirmou que ciclotimia é uma forma leve de transtorno bipolar, caracterizada por flutuações no humor, que incluem períodos de sintomas hipomaníacos e períodos de sintomas depressivos leves.
“Diferentemente do transtorno bipolar I ou II, os sintomas na ciclotimia são menos intensos e não atendem aos critérios completos para episódios maníacos ou depressivos maiores”, explicou.
**Lucas Benevides, psiquiatra e professor de medicina do Centro Universitário de Brasília (CEUB) apontou quais seriam as oscilações de humor de um indivíduo que tem ciclotimia.
“Nos períodos de hipomania, a pessoa pode se sentir mais animada, com muita energia, superconfiante e produtiva. Pode até dormir menos, ser mais sociável e agir de forma mais impulsiva. Já nos períodos de depressão leve, a pessoa pode sentir tristeza, desânimo, cansaço, baixa autoestima e perder o interesse por coisas que antes gostava de fazer”, detalhou.
“Essas mudanças de humor acontecem ao longo do tempo e, muitas vezes, de forma imprevisível, o que pode complicar a vida social e profissional da pessoa”, completou.
Tratamento
O tratamento da ciclotimia geralmente inclui uma combinação de medicamentos e terapia psicológica.
“Estabilizadores de humor, anticonvulsivantes ou até mesmo antidepressivos podem ser usados para controlar os sintomas. A terapia, particularmente a terapia cognitivo-comportamental, ajuda a pessoa a entender e gerir as mudanças de humor e a desenvolver estratégias para manter um estilo de vida equilibrado”, reforçou Cristiane.
Confira a entrevista completa abaixo:
IstoÉ Gente: Em que ano você recebeu o diagnóstico de ciclotimia?
Theodoro Cochrane: Em 2017, após meu terapeuta, com quem eu já fazia terapia há um ano, me indicar a uma psiquiatra para, talvez, fazer um tratamento com medicamento para uma possível depressão, devido a um gatilho que eu tinha tido, que era um rompimento de uma relação amorosa tóxica.
Esse momento conturbado foi o responsável por desencadear o distúrbio, como se fosse a gota d’água, ou você já tinha apresentado sintomas anteriormente?
TC: Eu, desde pequeno, sempre fui considerado uma pessoa de comportamento excêntrico, uma pessoa diferente dos padrões. Eu sempre tive muita oscilação de humor, de ficar muito mal-humorado, às vezes agressivo com as pessoas mais íntimas, e com oscilações de humor, que, talvez, poderiam ser características ou sintomas de uma possível depressão. O diagnóstico, esse cenário caótico, sim, era uma instabilidade profissional e emocional, no caso, o relacionamento que havia terminado.
Você recebeu o diagnóstico de ciclotimia logo de primeira ou os médicos desconfiaram de outras doenças antes, como bipolaridade?
TC: Como eu já fazia terapia, já existia a possibilidade de eu estar passando por algum episódio um pouco mais intenso de melancolia e eventual depressão. Bipolaridade, desde a minha infância, sempre dizia, mas de uma maneira mais… como posso dizer, irresponsável, preconceituosa, né? Ao dizer que eu oscilava muito de humor, de estado de espírito, indo de alegria para tristeza e para agressividade. Mas isso era sempre visto como uma característica excêntrica da minha personalidade. Esse diagnóstico da ciclotimia veio com a minha psiquiatra em 2017 para 2018, quando eu estava nesse tratamento de terapia envolvendo a superação de um término amoroso.
Quando revelou a ciclotimia publicamente, você frisou que o diagnóstico veio a partir de outro relacionado ao vício e abstinência. O que o fez virar a chavinha e decidir parar com o uso de drogas e bebidas alcoólicas?
TC: Virar a chavinha veio dessa oscilação de humor que eu tinha já há muitos anos e dessa minha tentativa de tratamento de uma melancolia e eventual tristeza, que estavam começando a atrapalhar a minha vida pessoal, íntima mesmo, individual. Os altos e baixos sempre vieram de uma oscilação de humor, tem a ver com a minha própria personalidade, as minhas características, e que passaram a me incomodar. O virar a chavinha foi porque, fazendo a terapia e acompanhando com a psiquiatra, eu percebi que, se eu parasse de beber e usar, eventualmente, qualquer tipo de entorpecente, eu estaria com o meu organismo limpo para ver com mais clareza o que eu poderia estar passando. Se eu tinha algum distúrbio ou se era nada mais, nada menos, que uma ressaca.
Qual era o seu modus operandi quando estava em uma crise de ciclotimia?
TC: Eu me incomodava com esse estado de espírito e tinha certeza que, em parte, era uma ressaca. Sou vaidoso e beber e se drogar não faz bem para o corpo, por dentro e por fora, a pele fica pior, você fica com retenção de líquido, um monte de coisa acontece fora o seu bem-estar de saúde mesmo, E a saúde inclui o cérebro, a química, que acaba influenciando na maneira como você age. A médica disse que era difícil parar [com as drogas e a bebida] porque as pessoas têm hábitos sociais. É muito difícil parar, principalmente de beber vivendo em sociedade, porque as pessoas têm essa imagem de que bebida não é droga, sendo que é droga e das mais perigosas – o índice de alcoolismo no Brasil é um absurdo. E falando sobre a relação que cada pessoa tem com o álcool, você ser um alcoólatra não é você beber todo dia em grandes quantidades, é como você se relaciona com a bebida Eu estava me vendo como a gente vê muitas vezes na ficção, que é o “vou beber para esquecer meus problemas”. Então, eu estava usando a bebida como um antidepressivo. A partir do momento em que eu tirei esse antidepressivo os entorpecentes, eu comecei a sentir uma abstinência. Não fiquei tremendo ou sentindo dores [físicas], mas senti dores da alma. É como você fizesse uma dieta e ficasse sem comer açúcar ou gordura por muito tempo, você fica mais agressivo. Digamos que eu estava uma pessoa mais difícil e intolerante, principalmente com as pessoas com quem eu tenho intimidade.
No relato, você disse que usava drogas uma vez a cada dois meses e consumia bebida alcoólica uma vez por semana. Era o suficiente para configurar uma dependência química e alcoolismo?
TC: Sim, era o suficiente, porque eu sentia essa necessidade. E durante um tempo eu sentia um peso por consumir isso e um peso depois de consumir isso. O que definia uma espécie de relação não saudável, se é que pode existir alguma relação saudável com o entorpecente.
Como você ficava após fazer o uso das substâncias e como eram os dias seguintes? Quanto tempo demorava para tudo voltar ao normal, se é que voltava, né?
TC: [Risos]. Na segunda-feira eu ficava muito triste, na terça-feira eu queria matar – exagero meu, claro – e no outro dia eu queria me matar. Eu costumava dizer que era um ciclo mesmo, era o ciclo da ressaca, durava uns cinco dias, desde o físico, que era uma dor de cabeça, ou uma fome exagerada no dia seguinte, ou um cansaço muito grande. E no outro dia uma agressividade, depois uma melancolia, e ia passando, como uma gripe. E a partir do momento que passava, já sentia vontade de usar de novo. Então, digamos que durava dois, três dias, e esse tempo aumenta conforme você vai ficando mais velho. Eu estou ficando mais velho, todos ficamos mais velhos, essa ressaca foi demorando cada vez mais [para passar]. Isso eu acho que é com todo mundo.
Você já fazia tratamento psiquiátrico antes de receber esse diagnóstico?
TC: Sim, mas há pouco tempo. E eu estava nesse episódio depressivo pós-término, então fiz um tratamento para essa tristeza, essa melancolia. Eu não sabia exatamente o que eu tinha, mas comecei a tomar um antidepressivo, que não interagia muito com eventuais bebedeiras, ou seja, não estava sendo tão eficaz para mim.
Qual foi o papel da sua família nesse período conturbado e de muitas descobertas? Você recebeu apoio?
TC: Recebi muito apoio. E tenho que explicar aqui uma coisa: foram duas crises, dois gatilhos que eu tive, que foram dois términos [de relacionamento]. Eu estava tratando uma ciclotimia quando eu tive o último gatilho, o último episódio de depressão, ou de ciclotimia que seria, foi com o término do meu último relacionamento longo, que não era uma relação tóxica. E, por isso mesmo, foi mais surpreendente, me pegou de surpresa, e a morte do meu pai. Isso foi há três anos. E ali foi quando eu resolvi fazer essa desintoxicação total e ficar três meses totalmente limpo para ter o diagnóstico, que não era a ciclotimia. Eu descobri que eu tinha depressão profunda, que também é algo tratável, mas que ela estava escondida em eventuais episódios de oscilação de humor, no caso, uma animação e uma euforia que confundiam com a ciclotimia. E a partir do momento que eu tirei isso, o remédio que eu estava tomando não estava dando conta do que eu estava tendo, que era essa depressão profunda. E nada mais era que um remédio que eu tinha que tomar para a depressão profunda. A partir daí, eu tomei um remédio para a depressão profunda, e as coisas começaram a finalmente se ajeitar e eu me estabelecer. Eu fui morar com a minha mãe em Portugal três meses depois da morte do meu pai, e do término do meu namoro, e minha mãe ficou comigo durante sete dias por semana, 24 horas por dia, sem viver comigo depois de 25 anos. Então, foi uma experiência e tanto estar ali junto comigo, irritado por estar sem namorar, sem trabalhar, sem pai, e sem beber para esquecer. Então, eu era muito agressivo com minha mãe, mas ela foi muito carinhosa, tolerante comigo e paciente.
E hoje, como estão as coisas? Você está bem?
TC: Hoje posso dizer que estou bem, sim. Após bastante sofrimento, uma crise de 40 anos, términos de namoros estressantes, perda de pai, vivência com a mãe depois da maturidade, após muita terapia que continuo fazendo e psiquiatra que continua me acompanhando. E durante três anos sem beber, posso dizer que estou bem. Inclusive, voltei a beber esse ano, mas consigo beber de maneira social e sem os exageros do passado. E tenho uma relação mais celebrativa do que eu tinha antes. Não bebo para esquecer. Mas já estou incomodado, estou me achando meio inchado de novo e com olheira que eu não gosto. Mas estou bem.
Poderia deixar um recado para as pessoas que, assim como você, também passam por momentos difíceis e precisam procurar ajuda?
TC: Antes de mais nada, autoconhecimento. Procure se conhecer, procure fazer terapia. Não é coisa necessariamente de rico fazer terapia. Você pode procurar as grandes universidades de medicina e de psicologia, onde os recém-formados clinicam de graça e estão ávidos por melhoria no próprio currículo e estão querendo mostrar serviço. Eu tenho agora o meu podcast, onde eu falo de desestigmatização dos distúrbios mentais. Eu faço a peça “A Última Entrevista de Marília Gabriela” com a minha mãe, onde falo, dentre outros assuntos, dos distúrbios que todos nós temos, ou que pessoas que amamos têm, como lidar com isso e como resolver isso. Se você está em uma crise, procure ajuda, procure uma rede de apoio, procure alguém da família, algum amigo de confiança, procure ajuda profissional. Não se entorpeça, pois são gatilhos que vão neurodepreciar você e causar você mais melancolia. Observe como você se relaciona com as pessoas no seu trabalho, as pessoas com quem você se envolve emocionalmente, com você mesmo, qual o seu nível de pessimismo com relação à existência. E olha, o tempo e a paciência podem ser muito cruéis e difíceis, mas eles são curativos e as coisas passam. O que você precisa é de autoconhecimento e amor.
*Cristiane Vaz de Moraes Pertusi (CRP 06/54382) – Doutora em Psicologia do Desenvolvimento Humano pela USP. Mestre em Psicologia PUCRS, especialista em Abordagem Sistêmica pela Universidade Federal de São Paulo (UNIFESP).
**Lucas Benevides (CRM: 18847 DF), psiquiatra e professor de Medicina do Centro Universitário de Brasília (CEUB).