Desde a posse como presidente da Argentina em dezembro de 2023, Javier Milei preenche manchetes de jornais em todo o mundo com declarações polêmicas e alianças internacionais. Atualmente, após um ano e meio de mandato, o liberal encontra bons índices de aprovação e uma resistência interna desorganizada – especialmente com a prisão domiciliar de Cristina Kirchner, principal representante da oposição.
Um nome, porém, surge como possível herdeiro promissor do kirchnerismo: Máximo Kirchner, filho de Cristina. O deputado tem ganhado protagonismo desde o decreto de encarceramento da mãe e já afirmou “não desconsiderar” a possibilidade de concorrer no lugar dela durante as eleições legislativas, previstas para outubro deste ano.
Neste texto, a IstoÉ elenca o histórico do governo de Javier Milei e as possibilidades da oposição a poucos meses de distância das eleições legislativas.
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Cenário após um ano e meio de gestão Milei
Quando foi eleito, Javier Milei alarmou a América Latina com a possibilidade de recrudescimento da direita radical no continente – que, até então, parecia desgastada pelas derrotas no Brasil e Colômbia. A campanha ultraliberal do argentino chegou a ser apropriada por figuras políticas externas, como o próprio Jair Bolsonaro.
Em junho de 2025, um ano e seis meses após a posse, uma avaliação divulgada pela CB Consultoria Opinión Pública mostrou que o índice de popularidade de Javier Milei é o maior entre líderes sul-americanos, somando 53,5%. O diretor de estratégia da Arko Advice e pesquisador sênior do CSIS (Center for Strategic and International Studies) de Washington Thiago de Aragão ressalta, porém, que a vantagem do presidente não é grande, já que os demais chefes de estado também possuem pontuações próximas.
“Ele [Milei] tem cerca de 53% de aprovação interna, enquanto o segundo colocado, Daniel Noboa (Equador), tem 52,4% – ou seja, praticamente um empate técnico. Outros presidentes aparecem com percentuais próximos, caso do uruguaio Yamandú Orsi e do brasileiro Lula. Isso mostra que a popularidade interna de Milei é alta, porém comparável à de outros líderes populares do continente”, pondera Aragão.
A questão econômica parece ser o principal fator de influência para a aceitação de Javier Milei como chefe do Executivo. Quando chegou ao poder, o argentino tinha como objetivo erradicar o déficit fiscal e estabilizar a economia, mesmo que isso significasse o detrimento de aspectos sociais. O plano parece ter dado retorno, com redução drástica nos índices de inflação.
“A estabilização de alguns indicadores econômicos na Argentina tem caminhado junto com a aprovação de Milei. Essa desaceleração drástica dos preços aliviou a população e deu fôlego político ao governo. Analistas atribuem a popularidade sustentada de Milei em boa parte a esses resultados econômicos”, explicou o diretor em entrevista à IstoÉ.
Entretanto, a relação entre o liberal e o povo argentino já não é mais de lua de mel. Apesar de Milei ter contido a inflação e mostrado rigor nas contas públicas, o que aumentou a confiança de parte da população, nem todos os índices são favoráveis: a Argentina ainda atravessa recessão e mais da metade da população segue na pobreza.
Além disso, o presidente continuou angariando críticas por parte da sociedade que se viu desprovida de inúmeros benefícios sociais destituídos pela reforma governamental. A maior parte dos ajustes para estabilizar a economia do país foram feitos em cima de custos sociais, o que atingiu principalmente jovens e idosos.
Oposição desorganizada
Cristina Kirchner é um nome mais do que conhecido na Argentina. Deputada, senadora, presidente por dois mandatos seguidos (2007-2015) e vice-presidente até 2023, sua origem no peronismo e atuação com políticas sociais sempre a colocou à esquerda do xadrez político argentino.
A ex-líder se mostrou como a principal representante da oposição à figura de Javier Milei desde que ele surgiu como candidato eleitoral. Porém, a situação se agitou no dia 10 de junho, quando a Suprema Corte do país condenou Kirchner a seis anos de prisão por corrupção – pena convertida em detenção domiciliar devido à sua idade, 72 anos. Ela alega estar sendo vítima de perseguição política e acredita que terá a sentença revertida, chegando a citar o presidente brasileiro Luiz Inácio Lula da Silva (PT) como exemplo.
A decisão parecia desestabilizar uma oposição já fragilizada, sem lideranças de destaque. Contudo, a mobilização de milhares de simpatizantes nas ruas de Buenos Aires protestando assim que a condenação foi confirmada mostrou que o kirchnerismo ainda engaja bases significativas.
Impedida de ocupar cargos públicos em função da sentença, Cristina deixa uma lacuna importante nas cadeiras do parlamento argentino. Alguns analistas consideram Axel Kicillof, governador de Buenos Aires e ex-ministro da economia na gestão Kirchner, como substituto viável, mas um nome mais próximo da família parece ganhar destaque: Máximo Kirchner.
O kirchnerismo vive?
Enquanto parte dos especialistas enxerga a falta de coesão dentro do peronismo como um obstáculo para a aceitação de Kicillof como sucessor político, os meios de comunicação locais parecem dar visibilidade para o filho de Cristina, que “aumentou o tom” após a condenação da mãe.
A jornalista brasileira que trabalha como comentarista política na Argentina, Leticia Navarro, pontuou que a possibilidade de Máximo Kirchner emplacar nas eleições de meio de mandato em outubro de 2025 – que definem a nova composição do Congresso dos últimos dois anos de gestão Milei – não pode ser subestimada.
Desde a prisão da mãe, Máximo tem dado declarações que sugerem uma disposição a ocupar o lugar dela como principal figura da oposição. Ele reiterou que está “sempre preparado para assumir qualquer posição”, em referência à candidatura nas eleições legislativas.
Radicado em uma criação próxima da política, Máximo é filho de Cristina e Néstor Kirchner – ambos ex-presidentes da Argentina. Atualmente com 48 anos, é deputado desde 2015 e presidente do Partido Justicialista de Buenos Aires, além de ser fundador e líder da organização juvenil La Cámpora, movimento que apoia o kirchnerismo.
O deputado é reconhecido pelos posicionamentos mais combativos e associação com alas à esquerda, o que se configura como desafio para sua aceitação em correntes mais moderadas do peronismo. Nas recentes aparições públicas, tem suprimido a presença de Axel Kicillof e se apresentado ao lado de Sergio Massa, ex-Chefe de Gabinete da Nação Argentina, a fim de fortalecer a coligação peronista.
“As eleições sem Cristina Kirchner revelam um peronismo que enfrenta tensões internas e a necessidade de redefinir sua identidade sem a figura mais influente. Cristina está na prisão. É uma sentença que muda totalmente o tabuleiro político nacional argentino. Nomes surgem e se inicia o ensaio do que pode ocorrer nestas eleições”, examina a jornalista.
Agora, Máximo parece aproveitar os holofotes sob o kirchnerismo para tentar uma coalizão unificada acerca da figura da mãe – e, possivelmente, acerca da sua própria persona como herdeiro de sangue, sobrenome e legado político.
“O único adversário é Milei”, enfatizou Máximo Kirchner sobre a união peronista em entrevista ao programa ‘Siempre es hoy’.