Filha de Roberto Farias quer remasterizar obra do pai

Quando pisou pela primeira vez num estúdio de cinema, na Atlântida, em 1949, Roberto Farias (1932-2018) pôde presenciar as filmagens de um clássico da chanchada Carnaval no Fogo, de Watson Macedo, um de seus mestres. Com ele, Farias iria trabalhar como assistente de direção, até assumir seu primeiro longa, uma comédia nos moldes das chanchadas que o estúdio fazia na época, Rico Ri à Toa, em 1957. Gênero que experimentaria em mais outros três longas, em uma carreira diversificada na abordagem temática e de linguagem, dos seus 13 filmes. Além disso, Farias atuou em outras áreas, como a de diretor-geral da Embrafilme, entre 1974 e 1979, e de produtor de grandes bilheterias do cinema nacional.

“A obra dele precisa ser estudada e difundida, tanto por sua experimentação artística como por sua luta política para o fortalecimento da atividade cinematográfica”, revela sua filha, Marise Farias, produtora e diretora de documentários e curtas, por telefone do Rio. “O projeto prevê a remasterização dos 13 filmes que ele dirigiu, a publicação de suas memórias e o lançamento de documentário que reconstitui sua trajetória.”

Como diretor e produtor, Roberto Farias trabalhou com vários gêneros e formatos. Fez um pouco de tudo, desde chanchada, no começo da carreira, filmes policiais e políticos, Cidade Ameaçada, Assalto ao Trem Pagador e Pra Frente, Brasil, e a trilogia musical com o cantor Roberto Carlos, Roberto Carlos em Ritmo de Aventura, Roberto Carlos e o Diamante Cor de Rosa e Roberto Carlos a 300 km por Hora, em plena ditadura. Realizou também Selva Trágica, de 1963, filme denúncia, uma das suas grandes produções, e também um documentário sobre Emerson Fittipaldi, e seu último longa, Os Trapalhões no Auto da Compadecida, lançado em 1987.

Arte e indústria

Marise conta que desde o início da carreira do pai, nos anos 1950, a sua meta era trabalhar pela ocupação do mercado brasileiro pelo cinema nacional e pelo fortalecimento da atividade como arte e como indústria.

Essa visão do cinema como indústria, o levou, junto com nomes como Luiz Carlos Barreto, Nelson Pereira dos Santos e Glauber Rocha, entre outros, a fundar a Difilm Distribuidora, em 1965, um projeto, segundo Marise, dele e de seu irmão, Riva Faria. A ideia era lançar os filmes dos diretores do Cinema Novo, mas os planos seriam logo desfeitos por divergências de opinião. “Meu pai queria que fossem realizados mais filmes populares, obras mais autorais, mas os outros não concordavam com esse conceito”, lembra Marise.

Durante o período em que trabalhou na Embrafilme, a filha conta que seu pai criou mecanismos para estruturar o cinema brasileiro. “A base era a lei da obrigatoriedade de exibição de filmes nacionais por 140 dias por ano e a fiscalização de bilheterias”, explica Marise. Ela revela ainda que na estatal, Farias enfrentou a perseguição do Serviço Nacional de Informação (SNI) para que ele entregasse o nome de cineastas fichados pela ditadura, o que ele nunca fez.

Ao sair da Embrafilme, Farias dirigiria sua obra mais polêmica, seu filme testamento sobre a ditadura. Pra Frente, Brasil, em 1981, que não agradou nem ao regime, que censurou o filme, nem aos opositores do governo. “Meu pai pensava que com a abertura, ele poderia denunciar o desaparecimento e as torturas de pessoas que se opuseram ao regime militar. Mas se enganou. O filme acabou interditado. E também gerou uma enorme polêmica com cineastas que cobravam que ele fosse mais realista em sua abordagem sobre a luta dos militantes contra a ditadura”, conta.

Em 2011, o diretor tinha quatro projetos de longa aprovados pela Ancine e não filmava desde 1986. Nesse período, trabalhou na Globo, onde fez comédia, O Anjo do Meu Marido, um policial sobre a ação de milícias, Poder Paralelo, e um filme político, Jango – Como Matar um Presidente. “Ele tinha dificuldade de captar dinheiro. Era difícil convencer pessoas que não eram do meio a liberar dinheiro para seus projetos. Não ter realizado esses filmes o deixou triste. Ele não falava para a família, mas nós percebíamos”, diz a filha.

Quando morreu, em 14 de maio de 2018, aos 86 anos, em decorrência de um câncer, Roberto Farias estava escrevendo suas memórias, que devem passar em revista seus 68 anos de carreira. Nessa sua trajetória de quase sete décadas, Farias também esteve à frente de produtos marcantes para a TV, como a direção da minissérie Memorial de Maria Moura, de 1994.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.