A façanha da arquiteta naval Tamara Klink, de 24 anos, fala por si mesma. Ela acaba de atravessar o Oceano Atlântico sozinha dentro de um veleiro de oito metros (26 pés), usado por quase quatro décadas para pesca na Noruega, e chamado de Sardinha. Felizmente, não houve grandes intempéries e o percurso foi cumprido num período favorável e dentro dos prognósticos, mas a experiência é para poucos e cheia de incertezas e riscos. Com algum conhecimento de mecânica para cuidar do motor do barco, velejadora desde criancinha e filha do “peixe” Amir Klink, ela passou três meses balançando pelo mar e se tornou a mais jovem mulher brasileira a cumprir o percurso entre a Europa e o Brasil numa viagem solo, se igualando a Izabel Pimentel, que realizou o feito pela primeira vez em 2006. Tamara partiu do porto de Lorient, na França, no dia 10 de agosto, e percorreu 4,25 mil milhas náuticas (7,8 mil quilômetros), com escalas em Lisboa, Canárias, Cabo Verde e ponto final, segunda-feira, 1, no Cabanga Iate Clube de Pernambuco, no Recife. “A chegada foi emocionante, feita no escuro”, disse. “Estou feliz porque cumprimos o plano de chegar.”

A experiência foi a mais intensa e radical de sua vida e também a mais desafiadora. Deu chance para ela refletir sobre o medo, a solidão e conhecer melhor suas motivações e limites. Em entrevista para a ISTOÉ, a navegadora contou que as situações de tensão foram frequentes na viagem. “Tive medo das correntes me levarem para caminhos que não queria seguir ou de perder alguns equipamentos importantes”, afirmou. “Mas a gente só descobre que tem coragem quando a usa. Se cheguei inteira, é porque nunca deixei de ter medo.” No percurso, ela cruzou as áreas conhecidas como “latitudes dos cavalos” (horse latitudes), 30 graus acima e abaixo do Equador, onde longas calmarias se alternam com ventos ligeiros muito variáveis. É uma situação de alto risco. Com a viagem solo, Tamara dá um passo parecido com o do pai, um dos maiores navegadores brasileiros, que cruzou o Atlântico Sul num barco a remo, em 1984. E abre possibilidades para novas aventuras ainda mais desafiadoras. “O que me motiva é ganhar experiência para fazer outras travessias maiores e inspirar outras mulheres a assumirem o comando das próprias travessias, na terra ou no mar”, diz.

Durante a viagem, sua comunicação foi limitada, sem internet ou telefone. Ela só usou mensagens de texto via satélite com até 160 caracteres para falar sobre meteorologia, eventuais reparos e conselhos técnicos com quatro pessoas. Uma delas foi sua mãe, a fotógrafa Marina Bandeira, que publicava fragmentos do diário de viagem da filha no Instagram e no YouTube. Muitas vezes, porém, as mensagens demoravam até 24 horas para chegar e ela ficava no mais absoluto isolamento. Durante semanas, Tamara deixou de ver qualquer navio no mar. Alimentavase apenas com comida vegana e vegetariana desidratada ou liofilizada. Seus maiores problemas foram enfrentados no trecho inicial, ainda na costa da França, quando ficou sem motor e sem vento nenhum, e no final, entre Cabo Verde e Recife, à noite, quando os dois pilotos automáticos do barco sofreram danos e ela ficou só com o leme de vento. “A maior graça dessa viagem é provar que se pode fazer muito com pouco”, diz.

Antes de cruzar o Atlântico, Tamara, que concluiu seu curso de arquitetura naval na École Supérieure d’Architecture de Nantes (ENSA Nantes), teve outra experiência solo no ano passado, quando navegou por 1.000 milhas náuticas pelo Mar do Norte, entre Ålesund, na Noruega, e Dunquerque. É uma região com meteorologia diversa e grande circulação de navios. A aventura foi registrada no livro “Mil Milhas” (Editora Peirópolis), no qual ela conta essa história e a experiência vivida desde a infância com a família velejadora, que inclui as duas irmãs, Laura e Marina. Tamara considera seus pais como grandes inspirações. Foi com a mãe que aprendeu a escrever diários de viagem e com o pai teve uma escola de vela e um exemplo de superação, embora tenha recebido “zero centavos” de recursos dele para suas empreitadas solitárias e tampouco qualquer conselho. Amir Klink foi claro: ela teria que conseguir seu próprio barco e estudar de forma autônoma. Foi o que Tamara fez. Comprou o Sardinha por um preço de oportunidade, colocou ele para navegar. E ele não falhou. Antiquado, precário, mas de casco forte e confiável, ele garantiu a conquista de um feito histórico.