Ao planejar uma Copa do Mundo a cada dois anos em vez de quatro, a Fifa está colocando o futebol em uma nova guerra, com o risco de divórcio dos clubes e das ligas europeias.
Já proposta e descartada nos anos 90, a ideia de uma Copa do Mundo bienal ressurgiu nos últimos meses. O francês Arsene Wenger, diretor de desenvolvimento da Fifa, ficou encarregado de defendê-la na mídia na semana passada.
Mas não é uma iniciativa isolada. No final de maio, a entidade mundial iniciou “um estudo de viabilidade” solicitado pela Federação Saudita, junto ao presidente da Fifa, Gianni Infantino.
O dirigente ítalo-suíço disse estar aberto “a tudo” na reforma do calendário com o único objetivo de combater a desigualdade no futebol.
O principal argumento da Fifa é que organizar a Copa do Mundo a cada dois anos significa mais receita a ser distribuída entre as federações, principalmente as africanas, asiáticas e sul-americanas, mais dependentes do grande torneio do que o próspero futebol europeu.
Segundo Wenger, a ideia seria ter a fase final de um torneio a cada verão a partir de 2025-2026, alternando Copas do Mundo e competições continentais como a Eurocopa e a Copa América, juntando todas as eliminatórias em outubro ou em outubro e março.
Desta forma, segundo o treinador francês, os jogadores de seleções vão reduzir as viagens longas e se beneficiar de “pelo menos 25 dias” de descanso após as suas competições do verão europeu.
O Presidente da Uefa, Aleksander Ceferin, criticou esta proposta em meados de junho, julgando-a “impossível” em uma entrevista à AFP, mas o debate ressurgiu esta semana.
Segundo Infantino, “uma decisão” será tomada antes “do final do ano”.
Na segunda-feira, Ceferin argumentou que o aumento da frequência do torneio, que acontece a cada quatro anos desde 1930 (1991 nas competições femininas), iria “diluir” a “joia” do futebol mundial.
A Associação Europeia de Clubes (ECA) estimou que “não há lugar” no calendário atual para uma fase final a cada ano, especificando que não recebeu “nenhuma proposta concreta” da Fifa para discuti-la.
Vários treinadores criticaram a ideia de uma Copa do Mundo bienal, como Jürgen Klopp (Liverpool), que avalia que neste projeto “só o dinheiro importa”.
Para a Conmebol (confederação sul-americana), uma Copa do Mundo a cada dois anos poderia “distorcer” a competição, “rebaixando sua qualidade e prejudicando seu caráter de exclusividade e seus atuais padrões de exigência”.
Por fim, o Fórum das Ligas Mundiais (WLF) prometeu na quarta-feira “enfrentar” este projeto que atende “aos interesses de curto prazo da Fifa em detrimento da economia do futebol e da saúde dos jogadores”.
Mal posicionada na batalha de opiniões, a Fifa se apoiou em um punhado de ex-jogadores e treinadores em Doha na quinta-feira.
“Todos estamos de acordo”, disse o dinamarquês Peter Schmeichel à imprensa, enquanto o brasileiro Ronaldo garantiu que se alguém perguntar a Messi ou Cristiano Ronaldo “eles dirão que sim”.
Apesar das reações negativas, é a FIFA que detém a chave para a decisão final, por meio de seu comitê executivo e de seu congresso. No momento, os adversários declarados do projeto são minoria.
Mesmo que a entidade internacional atinja o seu objetivo, os clubes europeus – onde se concentram os melhores jogadores – podem não concordar em ceder seus jogadores durante vários meses e assumir um risco maior de lesões.
A recente recusa de alguns clubes ingleses em liberar seus atletas para países com alto risco de covid-19 ilustra o que pode ser sua guerra com a Fifa, que pode ter seus planos levados à justiça.
Finalmente Ceferin alertou na quinta-feira no jornal The Times sobre um boicote das federações europeias, cujos países venceram as últimas quatro Copas do Mundo.
“Podemos decidir não jogar. Pelo que eu sei, os sul-americanos estão na mesma linha, então boa sorte em uma Copa do Mundo como essa”, disse ele.
cfe/jed/pm/dr/aam