Amin Khader lembra até hoje o que Gal Costa gostava de comer no café da manhã nas suítes presidenciais de hotéis ao redor do mundo: dois ovos quentes – feitos com 18 segundos de fervura -, uma fatia de mamão papaia, uma banana, três fatias de queijo e leite sem nata. “Muitas vezes eu tirava a nata, sem ela ver”, diz.

Amin, hoje com 67 anos, trabalhou por quase 30 anos como secretário particular de Gal. Chegou a ter registro assinado pela cantora em carteira de trabalho, que guarda até hoje, com orgulho. Era responsável por atender as rotinas de uma verdadeira estrela, tipo filtrar telefonemas, organizar viagens, pagar a funcionários, resolver questões bancárias.

Durante os shows, ficava na coxia, atento a tudo que ocorria no palco. Quando ela saía do palco, ele a acolhia e ia junto até o camarim. Amin acompanhou o auge da popularidade de Gal, nos anos 1970, 1980 e parte dos 1990. “Gal era uma Ivete Sangalo. Uma estrela, gente”, diz, para definir o sucesso da cantora.

Sobre as polêmicas que envolveram o nome de Gal nos últimos tempos, com acusações contra a viúva, a empresária Wilma Petrillo, Amin não quer falar. “É uma pena o que estão fazendo com a maior cantora do Brasil. Deixem a Gal em paz”, reage, sucinto.

Na conversa que teve com a reportagem do Estadão, por telefone, Amin preferiu relembrar os bons momentos que viveu ao lado da cantora, de quem era fã desde a adolescência. Os contratempos foram muitos também. Mas, agora, eles surgem ressignificados na sua memória, um misto de saudade e comicidade.

Amin, pela primeira vez, mostra os bilhetes carinhosos que recebia de Gal, que assinava quase sempre “sua estrela”. A vida ao lado da cantora parecia uma festa.

Carioca de Lins de Vasconcelos, no zona norte do Rio de Janeiro, Amin, ainda na adolescência, pegava três ônibus para chegar à casa de Gal na zona sul. Gal não dava bola para Amin e para os outros quatro ou cinco amigos de colégio que ele carregava nessa peregrinação quase diária.

NO VIDIGAL

Para chamar a atenção, ele e os amigos cantavam um sucesso de Gal na época, a canção Que Pena, de Jorge Ben Jor. ‘Ela já não gosta mais de mim, mas eu gosto dela mesmo assim’, repetiam, sentados em uma mureta na Estrada do Tambá, no Morro do Vidigal, onde Gal morava em um duplex com vista para o Leblon. Gal passava em um Fiat conversível vermelho, modelo importado. “Ela tinha pânico de mim. Quem gosta de fã?”, indaga o ex-secretário.

A aproximação definitiva com o ídolo ocorreu de forma indireta. Amin foi contratado para colar cartazes de um show que Caetano Veloso faria no Teatro Tereza Rachel. O empresário Guilherme Araújo, impressionado com o trabalho de divulgação, quis conhecer o jovem. Amin virou funcionário de Guilherme e, quando Gal precisou de um novo secretário, este o indicou.

“Quando Gal me viu, disse: não! Demorei cinco anos para conquistá-la”, confessa Amin. Com o tempo, a cantora confiou-lhe até senhas de banco. E chegaram a ter uma conta conjunta. “Gal era riquíssima, mas muito pão dura também. Só não economizava com ela. Comprava sempre o melhor notebook, o celular mais moderno”, recorda.

Ele se lembra, sobretudo, da quantidade de malas com que a cantora viajava: cinco. Gal fazia questão, durante um tempo, de levar um violão. “Ela nunca tocava, mas queria levar”, recorda ele. Nos hotéis, Amin driblava garçons e camareiras que batiam na porta toda hora. “Ninguém via a Gal”, garantiu. E diz, brincando, que ao todo serviu à cantora dois milhões, setecentos e vinte mil e trezentos cafezinhos, cada um com sete gotas de adoçante.

Em 1979, Gal estreou um de seus shows mais marcantes, Gal Tropical. O espetáculo e o disco que o inspirou foram um ponto de virada na sua trajetória. Guiada por Guilherme Araújo, a cantora que gostava de cantar descalça, com roupas despojadas, assumiu a imagem de grande estrela. De vestido vermelho estilo rumbeira, curto na frente e com babados atrás, Gal, para entrar em cena, descia, elegantemente, uma escadaria colocada no palco do Canecão. Nos cabelos, duas rosas: uma vermelha e outra amarela. “Eu rodava o Rio para encontrá-las.”

FILAS

O show ficou dois anos em cartaz. Na porta do camarim, todas as noites, filas de fãs e artistas. Era comum ela deixar o Canecão depois das 3 da manhã. Às vezes, para despistar os fãs, Amin inventava que ela tinha gravação para o Fantástico. “Mas tratava todos muito bem. Quem faz o artista é quem trabalha com ele”, diz.

No show Fantasia, de 1981, Gal apareceu toda glamourosa, em uma superprodução. Usava cinco vestidos diferentes, na abertura vinte bailarinos entravam com máscaras. Na estreia, deu tudo errado. Gal reclamou, em entrevistas, que alguém mexeu na mesa de som, em um suposto boicote. A crítica não perdoou, e a história nunca foi esclarecida.

NOVOS RUMOS

Em 1985, Amin foi convocado pelo empresário Roberto Medina para comandar os camarins da edição inicial do Rock in Rio. No line-up, astros como Rod Stewart, James Taylor, Nina Hagen, Queen e Iron Maiden. “Ela gostava do meu sucesso no Rock in Rio”, conta.

Amin ganhou fama. Virou relações-públicas de uma casa de shows e chegou à TV. Por meio de Gal, conheceu Roberto Carlos. Dody Sirena, empresário do cantor, levou-o tomar café da manhã com Donna Summer, em São Paulo. “Donna achou estranho eu trabalhar com uma cantora tão poderosa no Brasil e ser fã de outra.”

Em 2003, Amin ainda era visto nos bastidores do show Todas as Coisas e Eu, protagonizado por Gal. Aos poucos, diz, foi deixando de trabalhar com a cantora. Já como repórter da TV Record, entrevistou a ex-patroa. “Ela falou que eu tinha sido o fiel escudeiro dela”, conta, com orgulho. E a define: “Minha mãe, minha irmã, minha mulher, minha companheira. Gal era uma mulher muito inteligente”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.