A primeira mesa da Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) deste domingo, 3, chamada “Síria mon amour”, teve de tudo, menos amor. O escritor sírio Abud Said dividiu o espaço com a jornalista brasileira Patrícia Campos Mello, especializada em coberturas de conflitos – e a primeira frase que Said falou foi: “não quero falar sobre a guerra”. Depois, ao criticar organizações de direitos humanos, meios de comunicação e intelectuais, Said foi vaiado (o que se repetiu ao fim da mesa).

“Não quero ficar aqui a falar do Estado Islâmico”, disse Said, em árabe. “Não tenho medo, mas não quero. Não existem direitos humanos, não existe jornalismo, o que existe são pessoas que querem ganhar dinheiro. Sou egoísta. Não quero ser a voz da Síria. Faz três anos que cansei. Não há uma sociedade mais doente do que a sociedade intelectual e de quem trabalha com direitos humanos”, opinou.

Elegante, Patricia disse concordar que os jornalistas, nessas coberturas, contam experiências pessoais, que não necessariamente refletem a realidade. “Só espero que o relato não seja muito deturpado, com a ajuda de vocês”, disse, se referindo ao povo sírio.

Ela está escrevendo um livro que conta a história da guerra contra o Estado Islâmico e a história de um casal que sobreviveu ao cerco a cidade de Kobani em 2014 (Lua de Mel em Kobani, que a Companhia das Letras deve publicar ainda este ano).

“Não tenho direito de ter medo”, explicou. “Há gente que mora lá, elas estão lá todo dia. Eu ter medo é uma coisa um pouco absurda”, comentou, sobre suas coberturas.

Said veio a Flip com o seu livro “O Cara Mais Esperto do Facebook” (Editora 34), que reúne alguns de seus posts – uma mistura de diário, comentários sarcásticos sobre a vida e observações irônicas. “Esses jornalistas e o pessoal da cultura só falam da guerra”, disse. “Estou feliz de estar aqui, é serviço cinco estrelas. Me levam para jantar e almoçar, ontem fiz sauna. Estou muito feliz. Sou sírio, mas não tenho nada a ver (com política).”

Ele conta que abriu uma página no Facebook e começou a escrever um diário. “Não sabia que ia virar escritor e vir para o Brasil”, brincou. Ao contar histórias relacionadas à família, fez o público rir. “Comecei a escrever e aí o pessoal mais preparado me explicou que era literatura.”

Na mesa em seguida, Sergio Alcides e Vilma Arêas discutiram características para além da poesia na obra de Ana Cristina César. Na mesa “Luvas de pelica”, o crítico literário e a escritora comentaram os aspectos ensaísticos e críticos da poeta. Alcides enfatizou a “presença felina”, quando Ana Cristina escrevia críticas.

“Ela tinha uma inteligência fulgurante, de intimidade, do feminino e um aspecto mental de como se aproximar do poema de um modo menos ingênuo”, disse. Isso sem esquecer sobre os lados transgressores da poeta com a ousadia que tinha ao misturar linguagens: “Ela se apropriava de discursos diferentes. Não tinha preocupação de separar a prosa da poesia”, completou.

Já Vilma que, além de professora era também amiga da escritora, falou sobre o distanciamento que ela tinha de sua obra. “Nas artes plásticas, essa distância é fácil, mas na literatura e na poesia a linguagem é radical. O poeta pode querer comunicar, mas é sempre uma linguagem de contorno”, disse.

Vilma também falou sobre o conceito de “fingimento”: “Ana tinha um aspecto teatral. E acho que todos os atores são grandes tímidos”, afirmou. A acadêmica não conteve a emoção e chorou ao ler um poema de Antônio Carlos de Brito, o Cacaso, em homenagem à Ana C. “Ele fala da partida, mas também de reencontro. E ele tem razão, porque ela está aqui, na Flip, nos ciúmes, nas palavras, nos versos.”

Manifestações

A última mesa da Flip de 2016, Mesa de Cabeceira, também foi marcada por manifestações políticas. O escritor João Paulo Cuenca, após ler trecho de Lima Barreto, gritou, no palco: “Fora, Temer”, “Fora, PMDB” e “Fora, Dornelles”. No final, alguém da plateia projetou no cenário: “Jamais Temer” e “Não Piso na Democracia”. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.