Já passa das 21h e o clima no espaço que sedia a 11ª edição da Campus Party, maior evento de tecnologia da América Latina, é completamente diferente do resto do dia. Os patrocinadores encerraram suas ações e as únicas pessoas que circulam pelas dezenas de mesas, palcos de palestras e arenas de competições montados no centro de exposições do Anhembi, em São Paulo, são as que irão dormir ali. Ou melhor: as que têm uma barraca reservada na área de acampamento, mas provavelmente vão virar a madrugada jogando, navegando em uma conexão quatrocentas vezes mais veloz que a internet de casa ou ouvindo o que um dos convidados tem a dizer. É esse clima de liberdade para viver intensamente a tecnologia que leva cerca de 100 mil jovens, de todos os cantos do Brasil, a abrir mão do conforto para passar alguns dias mergulhado numa festa — ou rave — hi-tech.

A estudante de engenharia ambiental Ariany Guilarde, de 19 anos, chegou com um grupo de 90 alunos da Universidade Federal do Mato Grosso. Seu intuito era ver palestras relacionadas à sua área, mas ela acabou se divertindo com temas bem distantes dos que vê nas aulas. “Adorei uma palestra sobre heróis das histórias em quadrinhos”, diz. Outros “campuseiros”, como são chamados os participantes que dormem no evento, estão lá a trabalho. Igor Silva, de 20 anos, é de São Paulo e está envolvido em um projeto de inovação e tecnologia. Por isso prefere aproveitar a programação noturna. “Tem menos multidão, dá até para prestar mais atenção nas palestras”.

Muitos participantes estão lá apenas para jogar. Eles se alimentam de macarrão instantâneo enquanto expõe as máquinas poderosas que montaram com muito sofrimento — e dinheiro. O funcionário público Maurycio Gyovanni, 39 anos, já participou de oito edições. No ano passado, levou um gabinete inspirado na personagem Sombra, do game Overwatch. O trabalho foi premiado. Neste ano, homenageou outro personagem, Reaper. Transportou a máquina de mais de 40 quilos em uma viagem de ônibus desde Campo Grande (MS). Seu “casemod”, como os gabinetes modificados são conhecidos, vai disputar o prêmio. “É um hobby. Um pouco caro, já que uma máquina dessas chega a custar R$ 10 mil”, afirma.

Arco-Íris

Alguns grupos participantes vão à Campus Party para discutir tecnologia, mas também para levantar uma bandeira. O Campus Pride, grupo LGBT criado há cerca de seis anos, reúne amigos apaixonados pelo mundo digital. Em sua mesa no evento, eles usam as cores do arco-íris como forma de denunciar a segregação e a homofobia em um meio bastante machista. “Queremos ser respeitados pelo que nós somos, e fazer com que as pessoas entendam e aceitem o diferente”, diz o estudante de design de games Gabriel Cascadan. Segundo eles, a situação já melhorou desde que começaram a frequentar o evento. Nesta edição, eles contaram inclusive com o apoio dos organizadores da feira.

ACAMPADA Ariany, 19 anos, estuda engenharia ambiental: interesse nas palestras (Crédito:Gabriel Reis)

O grupo Women Dev Summit também aproveita o espaço da Campus Party para defender a participação das mulheres no mundo da tecnologia. Neste ano, 40% dos “campuseiros” são mulheres, o que indica o interesse maior delas em programação. O Women Dev Summit as ajuda oferecendo cursos de programação principalmente para o público feminino. “Vemos cada vez mais mulheres animadas com os cursos. Elas demonstram até surpresa quando mostramos que elas podem sim participar desse ambiente”, diz Cristina Luz, uma das organizadoras do Women Dev Summit e criadora do Desprograme, grupo cuja missão é tornar mais inclusivo o cenário da tecnologia.

O publicitário Anderson Troc Silva é responsável pelo LAB, o Laboratório de Ideias da prefeitura de Guarapuava, cidade de 180 mil habitantes no Paraná. “Nosso objetivo é desmistificar a tecnologia e defender a cultura ‘maker’ de ser libertário e ascender com seu próprio trabalho”, diz Anderson. Enquanto explicava a atuação do LAB, foi interrompido por um garoto. Logo os dois estavam trocando informações sobre as vantagens das impressoras 3D Delta, como o modelo exposto por Anderson, e as cartesianas. É o tipo de troca que mostra a graça de participar da Campus Party.

CASSINO Gabinetes modificados e conexão ultraveloz para quem passa horas disputando partidas (Crédito:Nelson Almeida)