O automobilismo é um esporte perigoso. Em 1957, era particularmente fatal. Em Ferrari, apresentado na manhã desta quinta, 31, na competição do 80º Festival de Veneza, Michael Mann coloca o espectador dentro de uma corrida da época. O filme reproduz os acidentes da época em detalhes chocantes – os pilotos não usavam roupa de proteção nem cinto de segurança, e os carros não tinham estrutura reforçada.

“Quando você está pilotando, seu foco está todo ali. Todo o resto desaparece. E há uma sensação de agitação. Foi isso que quis passar para o público, em vez de um visual elegante”, disse o cineasta americano de 79 anos na coletiva de imprensa após a sessão para jornalistas.

Fazia mais de uma década que o diretor de Ali (2001) e Colateral (2004) queria contar a história de Enzo Ferrari (Adam Driver), fundador da fábrica de automóveis mais famosa do mundo e da escuderia que tem uma legião de fãs, sem importar quem são seus pilotos.

Ferrari foi corredor e criou a mítica empresa que leva seu sobrenome logo depois da Segunda Guerra Mundial, em 1947. Mas, dez anos mais tarde, o período retratado no filme, ele enfrentava uma série de problemas. Por isso é fácil de entender a atração de Mann pelo personagem, interpretado por Adam Driver. “Seus conflitos são universais e acontecem com todos nós: luto, perda, amor, paixão, ambição. Mas aqui estão resumidos na vida de Enzo Ferrari, de forma melodramática e quase como uma ópera”, disse Mann.

Em 1957, Ferrari vê seu casamento com Laura (Penélope Cruz) atravessando uma crise depois da morte do único filho do casal. Sua amante Lina (Shailene Woodley) pressiona para que ele dê seu sobrenome ao menino que os dois têm juntos.

A companhia está à beira da falência, e a escuderia alcança resultados pouco animadores nas corridas, a verdadeira paixão de Ferrari. Como ele diz no filme, ele fabricava carros para poder manter sua escuderia, e não o contrário.

Ele aposta todas as suas fichas nas Mil Milhas, a corrida que percorre as estradinhas italianas e as ruas estreitas de suas cidades. Para ganhar da Maserati, escala cinco pilotos: Piero Taruffi (Patrick Dempsey), Wolfgang Von Trips (Wyatt Carnel), Peter Collins (Jack O’Connell), Olivier Gendebien (Brett Smrz) e Alfonso de Portago (o brasileiro Gabriel Leone, que curiosamente faz Ayrton Senna na série da Netflix atualmente em produção). De Portago é um ambicioso piloto que entra na equipe depois da morte de outro corredor.

O material é perfeito para o cineasta, que gosta de pesquisar minuciosamente – aqui, ele reconstruiu os carros da época e mergulhou no espírito de Modena, a cidade de Ferrari, tendo uma equipe italiana pronta para reclamar quando algo não parecia autêntico. É verdade que, mesmo assim, alguns de seus atores americanos interpretando italianos às vezes derrapam nas pronúncias e sotaques.

Enzo Ferrari é um protagonista ideal para Michael Mann, que sempre gostou de filmar homens complicados empurrados ao limite por sua ambição e competitividade e que constroem muros à sua volta para que as emoções não atrapalhem sua trajetória. Só que elas são inescapáveis. Mann constrói um retrato complexo e multifacetado de um personagem polêmico e particular, que tem até seus momentos de glória tingidos pela morte.

Por ser uma produção independente cujas companhias aceitaram os termos dos sindicatos de atores e roteiristas, Adam Driver e Patrick Dempsey, que interpretam Enzo Ferrari e o piloto Piero Taruffi, foram a Veneza para promover o longa.

“Estou muito feliz de estar aqui para apoiar o filme, porque conseguimos fazê-lo devido aos esforços de toda a equipe e elenco”, disse Driver. “Estou muito orgulhoso de ser uma representação visual de um filme que não faz parte da AMPTP (Aliança de Produtores de Cinema e Televisão, que reúne os principais estúdios, além da Amazon, Apple e Netflix). Um dos objetivos é justamente perguntar por que companhias de distribuição pequenas como a Neon e a STX conseguem atender à demandas do sindicato, enquanto empresas grandes como a Amazon e a Netflix não conseguem.”