Modelo preditor foi desenvolvido por pesquisadores da Unesp; precisão é de 70%.

Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein

Pesquisadores do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Unesp de Botucatu desenvolveram uma ferramenta que usa a inteligência artificial para calcular qual a chance de um paciente receber um transplante de rim em determinado período de tempo. Esse é um cálculo difícil de ser feito porque a fila do transplante de rim não segue uma “ordem de inscrição”, mas a compatibilidade entre doador e receptor, além das condições de saúde do paciente.

Além disso, o Estado de São Paulo tem duas regionais (uma do interior e outra para capital e litoral), o que faz com que o tempo de espera por um órgão seja diferente de acordo com a região. A ferramenta foi batizada de Keros e a metodologia foi publicada na revista Plos One.

Para desenvolver a ferramenta, o grupo liderado pelo nefrologista Luís Gustavo Modelli de Andrade, coordenador do Programa de Transplantes do Hospital das Clínicas e do Laboratório de Ciências de Dados da Faculdade de Medicina da Unesp, coletou as informações dos últimos 17 anos (entre os anos 2000 e 2017) de pacientes que estavam na fila do transplante na base de dados da Secretaria de Estado da Saúde de São Paulo.

Ao todo, quase 50 mil registros de doadores falecidos foram incluídos. Os doadores vivos representam cerca de 20% do total de transplantes, mas eles não foram incluídos na base porque seguem outros critérios para a realização do procedimento.

A partir do cruzamento das informações disponíveis, a ferramenta consegue estimar a chance de o paciente ser transplantado no Estado de São Paulo com uma precisão em torno de 70%. Para isso, o médico ou o paciente precisam preencher um formulário do Keros com dados como tipo sanguíneo, tipagem HLA e condições do receptor, entre outras informações. A resposta será a chance estimada de o paciente ser transplantado no período, como por exemplo: “a probabilidade de ocorrer um transplante é de 28% em 24 meses”.

Saber quanto tempo vai esperar por um transplante é uma das principais angústias dos pacientes. “A primeira coisa que um paciente nos pergunta quando fica sabendo que vai precisar de um transplante de rim é quanto tempo vai ficar na fila. E essa é uma pergunta difícil de ser respondida porque depende de muitos fatores”, afirmou Andrade, responsável pelo desenvolvimento da ferramenta.

Segundo o nefrologista, o tempo médio de espera por um transplante de rim é de 24 a 36 meses, mas há casos de pessoas transplantadas em 6 meses ou em até 5 anos. Dados da Associação Brasileira de Transplantes de Órgãos (ABTO) apontam que em 2020 a fila de espera pelo transplante de rim no Brasil era de 26.862 pessoas, sendo 14.858 em São Paulo.

Para o nefrologista Lúcio Requião Moura, do Programa de Transplante de Rim do Hospital Israelita Albert Einstein e professor da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), a ideia do aplicativo é boa, mas o efeito prático ainda precisa ser melhor avaliado.

“Esse é um modelo preditor, que usa uma base de dados de transplantes que já ocorreram para fazer simulações e tentar antecipar algum evento. Mas o grande problema de predizer o tempo de espera é que a base de dados oscila demais ano a ano, especialmente por conta do número de doadores e isso pode interferir no resultado predito”, pondera.

Outro potencial fator limitador do modelo, na avaliação de Moura, é que ele não responde de forma objetiva para o paciente em quanto tempo ele vai receber o transplante (ele informa uma probabilidade estimada com acerto em torno de 70%).

“A ferramenta responde que em X anos a probabilidade de o paciente ser transplantado é de X%. Essa é uma informação que pode ser abstrata para o paciente, que quer saber quanto tempo de fato ele vai esperar e, eventualmente, organizar melhor sua vida”, diz.

Do ponto de vista da prática médica, Moura avalia que a ferramenta em alguns casos poderá funcionar como um suporte para o profissional de saúde tomar decisões sobre a conduta do tratamento do paciente. Ainda assim, o nefrologista diz que é preciso muita cautela.

“A ferramenta tem uma acurácia de 70%. Estatisticamente falando esse número é satisfatório. Mas para aplicação no mundo real, o ideal é que a capacidade discriminatória fosse maior”, avalia o médico, que destaca que o maior desafio ainda é aumentar o número de doadores. “O principal parâmetro é a compatibilidade, e cada doador é único. Quanto mais doadores tivermos, maior a chance de transplantarmos.”

Próxima fase

Segundo Andrade, a próxima etapa do projeto é incorporar as bases de dados coletados em todo o Brasil para tornar a ferramenta nacional para que sejam feitos cálculos individuais para cada Estado e tentar equilibrar o sistema. Esta etapa terá apoio da Coordenação Geral do Sistema Nacional de Transplantes (CGSNT) do Ministério da Saúde.

“Rim é o órgão mais transplantado no Brasil. Alguns Estados transplantam muito mais rápido do que outros. Isso pode ser por causa do número de doadores, melhores sistemas de captação do órgão, mais equipes treinadas. O modelo poderia nos dizer, por exemplo, se existe alguma característica que está sendo favorecida na determinação do tempo de espera. Com essa informação, talvez poderíamos compensar essas distorções”, finalizou.

Fonte: Agência Einstein

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