A pergunta não passava de um ruído. O fundo era escuro, a câmera fechada. Se não aparecesse jamais durante suas mais de 700 entrevistas feitas por 26 anos de programa Ensaio, Fernando Faro não daria a mínima. Sem o ego dos homens de televisão, ele preferiu fazer com que três gerações de artistas dessem a cara e a voz.

Sua marca maior, além da direção do show Trem Azul, de Elis Regina, será para sempre a criação do programa Ensaio. Histórias e mais histórias só foram contadas naquele estúdio. Canções ganharam versões definitivas apenas naqueles microfones.

Milton Nascimento detestou a versão de Canção do Sal gravada por Elis, em 1966. Ele jamais imaginou que seu canto de trabalho fosse ser vestido de smoking pelos sopros e cordas do arranjo. Apenas em 1973, quando Elis participou do Ensaio com sua tropa de choque – Cesar Camargo Mariano nos teclados, Paulinho Braga na bateria e Luizão Maia no baixo -, Bituca ouviu o som que lavaria sua alma. “Era aquilo que eu queria. Uma música mais próxima da terra.” Foi no mesmo programa que Elis contou também, pela primeira e talvez única vez, seu primeiro encontro com Chico Buarque. Uma tarde difícil, com um rapaz ainda desconhecido que a procurava em estado de choque para mostrar suas canções. “Ele não falava nada, ficava parado na minha frente.” Elis contou a Faro que não gravou Chico por birra, mas que se arrependeu quando viu que Nara Leão o gravou.

O formato de entrevistas televisivas que morre junto com Faro começou depois que o jornalista esteve à frente de dois bandidos famosos. Era 1958 quando Faro foi entrevistar Promessinha e Jorginho para um telejornal. “Um amigo marcou com eles em um restaurante, mas cheguei um pouco depois de Jorginho ir embora. Fui até o barraco dele, a luz estava acesa, gritei e nada. No dia seguinte, Jorge foi preso e eu fui até a delegacia falar com ele. A polícia não me deixou entrar com o equipamento de gravação. Então, passei o microfone para gravar pelo menos as respostas do Jorge, que estava na cela”, contou.

Jorginho respondeu, de dentro da cela: “Rapaz, quase apaguei você, ontem. Você me chamou, eu estava lá”. Faro perguntou: “É verdade que você passou com um carro por cima de um quitandeiro japonês?”. E o criminoso: “É, mas ele já estava morto”. O resultado foi algo perto do que seria usado pelos quase 30 anos seguintes: um entrevistado falando com o homem invisível.

Faro deu um golpe no ego do jornalista ao retirá-lo de cena. Talvez por essa razão, seu formato não foi copiado por nenhuma emissora. “Eu acho que o entrevistador é um ruído. Mais do que isso, é um barulho. Quando ele está lá, o depoimento fica dividido. Ora, se eu pergunto a um artista: ‘Onde você nasceu?’, ele responde ‘eu nasci em tal lugar’. Logo, a pergunta deixa tudo redundante”, ensinava o produtor.

Milton era lembrado por Faro como um de seus entrevistados mais difíceis. A primeira visita do cantor aos estúdios da Cultura foi em 1963. Calado, bicudo, olhava para Faro sem conseguir reagir: “Você nasceu no Rio?”. “É.” “Mas agora você mora em Três Pontas?” “É.”

Sobre a melhor entrevista que não conseguiu fazer, Faro respondeu: Hebe Camargo. “Quando a convidei, ela disse: ‘Baixinho, não posso fazer seu programa porque não aguento uma câmera perto de mim.’” Sobre chamar Roberto Carlos para ser entrevistado: “Nem pensei. Ele sempre foi distante, era uma coisa à qual eu não tinha acesso”. Sobre um grande nome: “O Ney Matogrosso é o artista mais profissional que conheci”. Sobre uma dor de cabeça: “Eu tive com a Beth Carvalho uma experiência ruim. O programa estava marcado para as 15h, mas ela só chegou às 22h”. E sobre Tim Maia: “Ele dizia assim: ‘Baixinho, me pergunta o que você quiser, só não me pergunte do Cassiano nem do Boni’. Ele cantava dizendo ‘agora todo mundo!’, mas o auditório estava vazio”.

A penúltima pergunta do Estadão a Faro foi a seguinte: “O senhor fará perguntas até quando?”. E sua resposta: “Se eu quero continuar com o programa? Quero. E sabe por quê? Porque a música brasileira se renova. Eu trouxe o Vinicius de Moraes e, agora, trago o Marcelo Jeneci. Vou até o fim, a não ser que a música acabe. E, mesmo se acabar, os ossos ficarão por aqui”. E a última: “Onde o senhor passa mais tempo: no passado, no presente ou no futuro?”. E Faro: “Platão disse que conhecer é lembrar”.

As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.