A vida da nadadora Jessica Long é realmente digna de um filme. E, se o mais recente capítulo da sua história fosse gravado nesta semana, na Cidade do México, serviria para documentar uma das muitas semanas de glórias alcançadas pela norte-americana de 25 anos.

Com nada menos do que oito medalhas de ouro em oito finais disputadas no Mundial Paralímpico de Natação, encerrado na última quinta-feira, ela foi a atleta mais vencedora de toda a competição, realizada no mesmo palco da modalidade na Olimpíada de 1968.

Nadando de forma dominante neste lugar onde o lendário norte-americano Mark Spitz conquistou os seus dois primeiros ouros olímpicos antes de se consagrar com mais sete nos Jogos de Munique-1972, Jessica ampliou a sua dinastia de triunfos ao ganhar as provas dos 100m costas classe S8, dos 100m peito SB7, dos 100m borboleta S8, dos 100m livre S8, dos 200m medley SM8, dos 400m livre S8 e dos revezamentos 4x100m livre e 4x100m medley 34 pontos (soma das categorias funcionais de cada atleta da equipe).

Estes triunfos e as consequentes medalhas se tornaram rotina há mais de uma década na carreira da nadadora, considerada um fenômeno do esporte, e cujo sucesso desafiou prognósticos desfavoráveis de quem sofreu muito antes de se consagrar mundialmente e também se tornar uma estrela popularmente conhecida nos EUA, onde hoje poderia ser chamada de “Michael Phelps de maiôs” da natação paralímpica.

É preciso voltar aos primeiros dias de vida da para-atleta para entender o quão fantástica – e improvável – foi a sua jornada. A começar pela rejeição dos seus pais. Nascida na Rússia e registrada com o nome Tatiana Olegovna Kirillova, ela tinha hemimelia fibular, uma doença que impediu o crescimento normal dos seus membros inferiores, e foi abandonada pelos pais em um orfanato pouco tempo após completar um ano de vida.

Seis meses depois disso, a então menininha russa foi adotada por Beth e Steven Long, um casal de família norte-americana que a levou para os Estados Unidos. No país, eles rebatizaram a menina Jessica Long e começaram a enfrentar uma interminável luta para dar melhor qualidade de vida à garotinha. Ela foi submetida a nada menos do que 24 cirurgias em decorrência das complicações de sua deficiência física. E mesmo assim precisou amputar as duas pernas na região que fica abaixo da altura dos seus joelhos.

Desta forma, Jessica se viu obrigada a ter de usar próteses para poder caminhar e, aos 10 anos, foi levada pela sua mãe adotiva a um clube para que pudesse inicialmente apenas brincar em uma piscina, tendo em vista o fato de que a menina sempre gostou de ficar na água.

Entretanto, o que no início poderia ser encarado apenas como uma diversão virou coisa muito séria dentro de pouco tempo. Com apenas 12 anos, Jessica viajou como a mais jovem atleta da delegação da seleção de natação dos Estados Unidos aos Jogos Paralímpicos de Atenas, em 2004. E, para espanto de quem a viu competir na Grécia, conquistou três medalhas de ouro.

Aquela estreia precoce marcou o surpreendente início da saga de glórias de Jessica, que depois colecionaria vários recordes mundiais e números impressionantes. Ela é dona de 23 medalhas dos Jogos Paralímpicos, sendo 13 de ouro, seis de prata e quatro de bronze ao logo de quatro edições do evento. Para completar, passou a contabilizar, no México, 46 medalhas em Mundiais, 35 delas de ouro, além de dez de prata e uma de bronze. Esta foi a sua sexta participação na competição, na qual estreou em 2006, com 14 anos.

O sucesso e a inevitável fama mundial como nadadora paralímpica fizeram com que Jessica também fosse reconhecida pela TV por Natalya e Oleg Valtyshev, pais que a rejeitaram duas décadas atrás, e que não tiveram dúvida de que a já estrela da natação era a sua legítima filha. Isso ocorreu no período de disputas da Paralimpíada de Londres, em 2012, e motivou um reencontro entre eles que virou até tema de um documentário.

Para surpresa de muitos, Jessica reencontrou com alegria a sua mãe biológica, 20 anos após o seu nascimento, em Baltimore, onde foi criada nos Estados Unidos e para onde Natalya Valtyshev viajou para rever a filha após mandar uma carta com um pedido de perdão pela decisão tomada duas décadas atrás. A nadadora aceitou o pedido e a abraçou, assim como compartilhou o gesto afetivo em suas redes sociais. Foi então um ato nobre da estrela paralímpica.

MIDIÁTICA – Dominante dentro das piscinas, Jessica Long também se tornou uma estrela fora da água. Com um belo rosto, passou a trabalhar como modelo em campanhas publicitárias de grandes empresas, entre elas a Coca-Cola, e atraiu patrocinadores com a sua condição de celebridade.

Loira de olhos azuis, a nadadora começou a posar para vários ensaios fotográficos de diversas publicações, entre as quais a famosa e prestigiada revista norte-americana Sports Illustrated.

‘DIVERSÃO’ NO MUNDIAL – No México, ela justificou a condição de favorita pelos ouros que conquistou e, ao desfilar a sua beleza dentro e fora da piscina da Piscina Olímpica Francisco Marquez, para onde disse ter ido disputar o Mundial apenas com o objetivo principal de “de divertir”, pois disse ter chegado à competição após optar para descansar mais neste ano pós JOgos Olímpicos do Rio. Porém, a sua “diversão” resultou em mais oito medalhas de ouro para o seu extraordinário currículo paralímpico.

Nem por isso, entretanto, Jessica deixou de reconhecer a importância deste seu mais novo feito nas piscinas. “Isso me faz sentir ótima. Essa foi definitivamente uma experiência realmente maravilhosa de Campeonato Mundial. Ir embora com oito medalhas de ouro, eu não poderia pedir por nada melhor. Isso é realmente empolgante”, comemorou Jessica.

Na natação paralímpica desde os 12 anos de idade, a nadadora fala como uma autêntica veterana cujos inúmeros poderiam até motivá-la a tomar outro rumo na vida, mas ela já deixou claro que está bem longe de pensar em deixar as competições. Até porque adora receber medalhas de ouro em cerimônias de premiação.

“Verdadeiramente nunca estamos velhos para ficar no topo do pódio e ouvir o hino nacional, e tudo isso enquanto os meus companheiros de seleção estão torcendo por mim. Não importa quantas vezes eu competir, eu ainda fico com nervos arrepiados e sou agradecida por esta vida que eu consegui viver”, ressaltou a nadadora, após fechar a sua participação no seu dourado Mundial na Cidade do México.