Fé e festa

Fé e festa

Bela Megale e Marina Monzillo
Foto Marcelo Liso

O ritual acontece ?religiosamente? todas as manhãs. Ao acordar, José Victor Oliva pega um saco cheio de orações e reza uma por uma. Quando viaja ? e ele viaja muito, em 2010, por exemplo, passou 100 dias fora do Brasil ? o saco de rezas impreterivelmente vai na mala.

Na sala de estar da cobertura do empresário, em São Paulo, imagens sacras dividem espaço com obras de arte de mestres como Pablo Picasso, Joan Miró e Cândido Portinari. Em seu escritório, guardado como um troféu, está o par de tênis que usou nas cinco vezes que peregrinou até Aparecida do Norte (SP), para pagar promessas.

Zé Victor é a prova de que fé e festa podem coexistir. Amigo de toda a boemia dos anos 80 e 90, ex-rei da noite de São Paulo, proprietário de casas noturnas antológicas como Gallery, Resumo da Ópera, Banana Café e Moinho Santo Antônio, este paulistano de 57 anos foi também o criador do Camarote Brahma, que há 21 anos reúne artistas, socialites e esportistas no espaço mais disputado do Sambódromo do Rio de Janeiro. ?Quando este Carnaval terminar, terei 63 dias de Sapucaí. Acho que é mais que o Jamelão (risos)?, comenta ele. Na quarta-feira de cinzas, também acaba o camarote nos moldes como é hoje, por conta da reforma pela qual o Sambódromo passará. ?Já tive mil novas ideias. Mas temos de ter mais conhecimento do que acontecerá com a Marquês de Sapucaí e preciso falar com meu cliente que, afinal, é o dono do camarote?, diz ele.

O empresário tem outros mil planos para mais duas grandes festas: a Copa do Mundo de 2014 e os Jogos Olímpicos de 2016. ?Nesta hora, temos que virar um grande País e não serei modesto?, afirma ele, que se afastou da presidência da Holding Clube, grupo que abrange suas seis empresas de marketing promocional, para se dedicar exclusivamente às áreas de criação e relacionamento. ?Hoje gasto 80% do meu tempo para aprender sobre novas oportunidades e 20% para fazer negócios?.
Para uma conversa de 2h30, Zé Victor recebeu Gente em seu apartamento. Relembrou os tempos áureos do Gallery, boate que abriu aos 23 anos e foi responsável por igualar a noite de São Paulo à de outras metrópoles do mundo. Falou ainda sobre sua religiosidade, política e a relação com a ex-jogadora de basquete Hortência, com quem foi casado de 1990 a 2000.

Qual é o maior desafio de organizar o Camarote Brahma?
A lista de convidados. Ela precisa ser um grande cuscuz, com farinha, frango, peixe, porco, pimentão e o caramba. É um mix de pessoas e tem de ter muita mulher bonita, afinal, é Carnaval. Para uma cerveja, é mágico, pois ainda tem samba e suor. O Camarote Brahma é o grande evento de relações públicas do mundo. A turma do Twitter tem de me seguir, @jvoliva, vou tuitar tudo direto do camarote.

Antes de criar o camarote na Marquês de Sapucaí, você curtia Carnaval?
Não, mas agora eu amo. Uma escola de samba é uma escola de comportamento. A ala das baianas te ensina a respeitar os mais velhos, a porta-bandeira ensina a respeitar a bandeira do seu País. Quando este Carnaval terminar, terei 63 dias de Sapucaí. Acho que é mais que o Jamelão (risos).

O que simbolizaram estas duas décadas de camarote?
O camarote mudou a cara do Carnaval do Rio, mostrou que atores, atrizes, jogadores de futebol, poderiam ter um lugar onde se sentissem muito à vontade para ver o maior espetáculo da terra. Penso nele o ano inteiro, quem deve ser convidado, quais empresas devem patrociná-lo. Interagimos com muita gente. Recebo mil tuitadas, telefonemas, carteiradas, todos querem convite. É um termômetro de que, depois de 21 anos, o camarote Brahma ainda é o maior evento do Brasil.

Como é ter o poder de decidir quem entra nas melhores festas?
Ninguém nasce ?o cara?. Aos 16 anos, eu trabalhava em uma empresa de cenografia para boates e dava aula de química. Queria muito conhecer as pessoas que faziam a diferença. Naquela época, estava do outro lado do balcão, não era como hoje, que as pessoas querem me conhecer. Sonhava em ser bem relacionado. Comecei a trabalhar num inferninho chamado Ton Ton Macoutes, na rua Nestor Pestana (centro de São Paulo). Chegava lá, varria a boate, levava horas limpando os discos, um por um. Quando chegava às 18h, eu ia embora e ficava babando, porque perdia o melhor da festa. Aos 18, comecei a trabalhar como assistente de discotecário, hoje DJ. Entrei na faculdade de medicina em Santos, cursei um ano e meio. Depois fui fazer administração na Fundação Getúlio Vargas. Com 23 anos, montei o Gallery e larguei a faculdade. Aí eu já era ?o cara?, tinha a melhor boate, cabelo e era mais magrinho (risos).

De onde você tirou capital para montar o Gallery?
Meu pai hipotecou a casa dele. Sempre acreditou em mim e tinha muito mais coragem do que eu. Mas eu estava muito bem apoiado. Ao meu lado estavam o Giancarlo Bolla, número 1 da gastronomia, o Gugu di Pace, filho do (arquiteto) Ugo di Pace, e o Zé Pascowitch, irmão da Joyce (Pascowitch, colunista social).

Quanto tempo levou para pagar a hipoteca?
No meio do caminho, acabou a grana. A Chinha Espírito Santo, que fez o paisagismo da boate, era esposa do Antonio Espírito Santo, dono do Bradesco na época. Ela me disse: ?Pega dinheiro emprestado?. E eu: ?Você está louca? Eu não tenho onde cair morto! Dou aula de química?. Eu fui ao banco e o cara nos emprestou um milhão de dólares. Nessa hora, pensei: ?Nossa, onde me enfiei? Meu pai hipotecou a casa e esse cara me emprestou um milhão…? Daí, inventamos o cartão Gallery, que o cliente comprava por US$ 1 mil para poder entrar na boate. No primeiro mês, vendemos dois mil cartões, no seguinte, mais dois mil. Em três meses tínhamos a boate, a hipoteca e o empréstimo pagos.


Como começou seu gosto por arte?

Aprendi muito com o Ugo di Pace, pai do meu amigo. Éramos garotos, e ele nos levava para fazer ternos em Nápoles, ensinava a comer à mesa, a falar um pouco de italiano, nos apresentou ao (Salvatore) Ferragamo em pessoa. No Gallery, tínhamos na decoração uma ?Madona? do (pintor italiano) Rafael. Não é um quadro que o dinheiro compra. Conseguimos emprestado do Pietro Maria Bardi, que dirigia o Masp. A linguagem subconsciente é importante. Uma obra dessas dizia ao cliente: ?Você também é uma obra de arte, venha para cá. Arrume-se, coloque um vestido, uma joia, passe um batom?. As pessoas sempre querem um lugar para ir bem vestidas.

Como escolheu os quadros da sua casa?
Alguns são meus, outros da família. O Picasso não é meu. O dono é um parente que decidiu colocar na minha casa. O quadro veio parar no Brasil na década de 1960, comprado pelo técnico do Santos na época, o Lula, quando o time foi jogar na Espanha. Já a obra do Gustavo Rosa, um avião com um monte de gente nas janelinhas, não deve valer um milésimo, mas retrata uma história que vivi. Em 1986, falavam que não veríamos o cometa Halley por causa das nuvens. Eu disse: ?Então, vamos para cima delas?. Aluguei um avião e dei uma festa black tie. Coloquei até um piano lá dentro. Acabamos não vendo cometa e minha mãe achava que eu iria apanhar. Mas tinha tanta champanhe e mulher bonita, que ninguém ligou.


Tem medo da falta de segurança em São Paulo?

Rezo todos os dias de manhã.


Para você, então, segurança é fé?

É. Eu tenho um saco cheio de orações que vou pegando e rezando todas, levo meia hora de manhã. Quando viajo, levo o saco junto. Quando meu amigo Washington Olivetto foi sequestrado, eu disse: ?Farei uma promessa. Se ele aparecer, irei a pé até Aparecida do Norte?. Isso foi na sexta-feira. No domingo de manhã, toca o telefone e era o Washington. Comprei um tênis e levei nove dias para chegar. Fui fotografando placa por placa da estrada. Conheci tudo, Taubaté, Pindamonhangaba, Roseira, todos os buracos. Fui sozinho e o motorista me esperava a cada dez quilômetros, com um Gatorate e uma fruta. Eu corria de cachorro, sempre tem um cachorro f.d.p. para correr atrás de um peregrino. Passou um ano, fui de novo. No total, foram cinco vezes, em todas usei o mesmo tênis, que hoje guardo no meu escritório.

Você tem amigos de todos partidos. Já pensou em se envolver com política?
Nunca e nem vou. Fui presidente da Associação de Criadores de Cavalos Lusitanos por dois anos e foi um martírio. Não gosto de rotina. No Brasil, os partidos são todos muito parecidos. O Lula, quando era sindicalista, foi um dos primeiros caras a jantar comigo no Gallery. Isso foi em 1981, era o auge dos piquetes que ele fazia no ABC. Trinta anos atrás, já dava para ver que era inteligentíssimo. Conversamos sobre o movimento sindical. Abrimos um champanhe, porque ele nunca foi de: ?Ah, isso não bebo, isso não faço?. Sempre foi um simpaticão.

Atualmente, qual seu envolvimento com os preparativos da Copa e da Olimpíada no Brasil?
Passei quatro anos trabalhando todos os dias para entender e ser relevante nessas ocasiões. Tenho de me aprimorar para quando meus clientes – patrocinadores olímpicos e da Seleção, da Globo, alguns da Fifa – precisarem. Faço uma força louca para entender Facebook, Twitter, iPad, porque não quero ficar para trás. No ano passado, viajei 100 dias. Fui aprender fora, sobre tendas, ar condicionado, leds, já que quero fazer a Copa no Brasil.

Considera-se pronto?
Nunca estamos. Mas hoje as minhas empresas são as mais ligadas no esporte e na infra-estrutura. Em 2014, teremos 70 patrocinadores querendo ser relevantes no futebol, nas 12 cidades sedes. Um vai querer um estande, outro ativar a torcida, outro estar em campo, serão milhares de ações promocionais. Ugo di Pace diz que a modéstia é a virtude dos medíocres. Nesta hora, temos que virar um grande País e não serei modesto. Nos próximos 20, 30 anos, vamos arrebentar a boca do balão, e a presidente Dilma será muito responsável por isso. Ela já cortou R$ 50 bilhões por ano do próprio orçamento. Se fizer as reformas fiscal, administrativa e educacional, o Brasil vai alavancar.

Como é seu relacionamento com o Carlos Arthur Nuzman, presidente do COB (Comitê Olímpico Brasileiro)?
Eu o conheço há muito tempo, por causa da Hortência. É um gênio, uma das pessoas que fazem a diferença no Brasil. Eu tinha inveja dele. Enquanto a gente, no basquete, e se esforçava horrores para avançar, com toda força da Hortência e do Oscar, o Nuzman conseguiu fazer muito com o vôlei. Será um grande prazer para mim se ele for presidente do COI. Ele soube costurar como ninguém a candidatura do Brasil nas Olimpíadas. E ele ficou doente no meio desta história. Dizem que todo grande homem tem uma grande mulher ao lado, e ele tem, a Márcia Peltier.

Você votou na Dilma?
Sim. Tivemos dois grandes candidatos. Votei nela por uma razão simples, a continuação do governo Lula. E também votar numa mulher é um barato.

Você foi dono de cinco casas noturnas. O que mais gosta na noite?
De conversar com gente inteligente. Na noite, as pessoas relaxam e conversam de assuntos que de dia não falam. Sempre recebi no Gallery pessoas espetaculares, como Tom Jobim, Vinícius de Moraes, Paulo Francis, grandes artistas, pensadores. Quando tinha 23 anos, meus amigos tinham 50. Hoje eles têm 80. A maioria já morreu. Teve uma fase em que as pessoas morriam de Aids. A Aids ceifou uma geração talentosa, pós-ditadura, que começava a experimentar a liberdade. Ao mesmo tempo, eu era superamigo do General Figueiredo e da Dona Dulce. A noite propicia isso, é democrática, é a praia do paulista.

Você teve medo da aids?
Claro! A primeira vez que tomei consciência da Aids foi quando morreu o (estilista) Marquito. Era um gay de barba, que usava botas. Macho pra caralho. As pessoas começaram a ficar magras, morreu muita gente. O Cazuza foi ao Gallery, com um turbante, magro pra caramba. Estávamos jantando, e ele disse: ?Estou superpróximo do fim?. Naquela hora, entendi que a Aids pegava os talentosos. Naquela época, era sexo demais, droga demais, bebida demais. O movimento sindical e a Aids coincidiram com o auge do Gallery, olha que ironia!

Alguma vez fez o teste de HIV?
Quando morei no hotel Maksoud Plaza – foram três anos, saí de lá para casar com a Hortência – um dia acordei péssimo, com febre e suando. Veio na minha cabeça: ?Será que estou com Aids?? Fui atrás do David Uip (infectologista). Eu tinha pego dengue no Carnaval, no Rio.

Você disse que rolava muita droga na noite, o que testemunhou em relação a isso?
Digo como uma pessoa que viu a droga muito de perto: ela traz um prejuízo a você, a sua família, que é uma m.. Você cheira e acha que é Deus. Depois, pode cheirar tudo que cheirou na vida que não voltará a ser Deus. É muito perverso… O grande barato para sair das drogas é ter a mesma sensação com outra coisa, como, por exemplo, a família.

Você tem uma tatuagem no braço, com o nome da Tatiana, sua atual mulher, e de seus quatro filhos.
Um dia, a Tatiana chegou com os nomes das nossas filhas e minhas iniciais tatuados. Eu disse: ?Você é louca, tatuou meu nome? Você tem 30 e poucos anos, eu tenho 56, sei lá o que vai acontecer amanhã?. Passaram-se alguns meses, achei que precisava surpreendê-la. Decidi fazer a tatuagem. Cheguei no estúdio e estava um cheiro de maconha. Pensei: ?Onde eu vim parar??. Queria uma coisa grande, de metaleiro, motoqueiro. A tatuadora falou: ?Você não tem cara disso e os metaleiros precisam de cinco sessões para fazer uma tatuagem dessas?. Eu disse: ?Minha filha, se eu não sair daqui com a tatuagem feita, não volto?. Achei que ia morrer. Demorou cinco horas. Meus filhos ficaram me idolatrando um mês: ?Poxa, meu pai é imprevisível?. Crianças e mulheres gostam disso.

Como vocês se conheceram?
Eu a conheci em um evento em Cannes. Mas eu estava em outra, farreando, tinha acabado de me separar da Hortência. Achei que trabalhava muito bem, dei meu cartão para ela e disse que quando voltasse ao Brasil fosse trabalhar conosco no Banco de Eventos. Ela falou com minha sócia, entrou na empresa e lá ficou, um tempão. Um dia, entrou na minha sala e disse que queria férias porque iria se casar. Eu falei: ?Não vai, não?. Comecei a paquerá-la, um tempo depois ela terminou o noivado e se casou comigo.

Você e Hortência até hoje são amigos. Sempre foi assim?
Hortência é minha irmã.

Foi por isso que o casamento acabou?
Não, naquela época não éramos irmãos, viramos. Sempre entendemos que temos filhos e eles são mais importantes do que qualquer coisa. Falo com ela todos os dias, na frente da minha mulher. Ela viaja muito porque hoje é chefe da delegação brasileira de basquete e faz um trabalho difícil. O basquete não tem o espaço do vôlei e do futebol. Ela é muito macha.

A relação entre ela e Tatiana em algum momento foi tensa?
Tanto ela quanto a Tatiana são mulheres muito inteligentes, sabem que o que está em questão são nossos filhos. Elas têm admiração mutua uma pela outra. Não separei da Hortência por causa da Tatiana e não faria isso.

Que casas noturnas você frequenta hoje?
Nunca mais pisei numa boate. Não conheço nenhuma. Eu durmo 22h30, e acordo 6h30.

Não tem vontade de sair?
Nenhuma. Gosto de sair para jantar. Gosto de trabalhar, fazer coisas para os meus clientes, daí, fico três dias virado. Agora, sair para fazer o que fiz minha vida toda, dos 23 aos 44 anos? Se multiplicar isso, dá 7 mil noites. Acho que já deu. A última casa foi o Moinho Santo Antônio. Depois que apareceu uma menina gostosésima e me chamou de tio, no dia seguinte chamei meu sócio e avisei: ?Amanhã, eu paro?.


E quando você não precisar mais estar na Sapucaí, qual será seu ideal de Carnaval?

Por que não vou precisar? Só não vou trabalhar. Desde que não seja no camarote concorrente, podem me convidar que vou.