Apontado como o maior produtor de soja do mundo, o empresário Eraí Maggi está agora empenhado em um novo projeto: unir os produtores de seu Estado para constituir um fundo, com contribuições medidas em sacas de soja e milho, para construir uma ferrovia. Trata-se da Ferrogrão, que ligará Sinop, no norte do Mato Grosso, até o porto fluvial de Miritituba (PA), no rio Tapajós. A obra está orçada em R$ 12,7 bilhões. “Torna-se troco, perto dos benefícios que vai trazer ao produtor”, afirmou o fazendeiro ao ‘Estado’.

A Ferrogrão é um projeto que circula pelo governo há cinco anos sem sair do papel. A ideia de construí-la partiu das grandes tradings: Amaggi, ADM, Bunge, Cargill, Dreyfus, e a estruturadora Estação da Luz Participações (EDLP). A razão parece óbvia: usar os portos do Norte do País para levar a soja brasileira até mercados como China, Rússia e Europa. Elas já construíram estruturas exportadoras em Miritituba, de onde a carga segue por rio até a região de Belém.

Porém, ao longo dos últimos anos, as gigantes hesitaram em aportar os recursos necessários para construir a linha, que promete baixar o custo de transporte da soja de R$ 300 por tonelada para R$ 110 e encurtar em quatro dias a viagem dos grãos. O imenso capital dessas companhias gira num tempo medido em safras, e não no longo prazo, como é típico dos empreendimentos em infraestrutura.

Cansados de esperar, os produtores decidiram eles mesmos colocar dinheiro no projeto. Há duas semanas, uma assembleia da Associação dos Produtores de Soja e Milho do Mato Grosso (Aprosoja – MT) aprovou por unanimidade a proposta de se criar um fundo para custear o investimento. “Tem como arrecadar R$ 600 milhões por ano tranquilamente”, assegurou o presidente da associação, Antônio Galvan. Ele enumera três possíveis ganhos aos agricultores: a valorização da terra, o menor custo de transporte e os lucros com a operação da ferrovia, já que todos serão sócios.

“É bom demais, sô!”, resumiu Eraí. “O produtor vai colocar 1 para tirar 10.” Mais ambicioso, ele acredita que a arrecadação poderá atingir R$ 1 bilhão ao ano. “Vai ser como tirar doce de boca de criança”, brincou. Os preços mínimos para o frete de caminhões “obriga” os produtores a pensar seriamente no empreendimento. O fundo foi formatado pelo presidente da EDLP, Guilherme Quintella, num trabalho que Eraí classificou como “genial”.

Projeto

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“Pode dar certo”, concordou o secretário de Coordenação de Projetos do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Tarcísio Freitas. Ele contou que, nos últimos dois anos, “vendeu” o projeto da Ferrogrão para diversos investidores no exterior, mas o tamanho do investimento e o longo prazo de maturação os assustava.

Quintella informou que as tradings se dispõem a entrar com 25% a 50% dos recursos para a construção da linha. Negociações em curso com outros possíveis sócios, como fundos de investimento, indicam que a participação delas será abaixo do limite máximo proposto.

Eraí vê a Ferrogrão como uma estratégia para manter a competitividade do agronegócio brasileiro. “Não adianta a gente pensar que só nós somos bonitos”, disse. “Os chineses estão arrendando terras na Rússia para plantar milho.”

A melhoria genética de sementes tem possibilitado o surgimento de outras áreas de produção de grãos no mundo que põem em risco a liderança brasileira no médio prazo. Freitas observa que a venda de tratores fabricados no Brasil para o Leste europeu é maior do que para a América Latina. A região se tornou uma nova fronteira de produção de soja, bem próxima dos grandes consumidores. Com um corte drástico no custo de transporte, o produto nacional terá melhores condições de se manter no páreo. “É a nossa saída”, afirmou Eraí.

Concessão só em 2019

A Ferrogrão será uma concessão do governo federal a ser leiloada em 2019. O lance mínimo para um contrato de 65 anos será fixado em R$ 1,00. A expectativa do governo é que haja apenas um competidor no certame: o grupo formado por tradings, produtores e outros fundos. Todo o trabalho feito até o momento foi para constituir ao menos um consórcio para o empreendimento. Nos bastidores, o receio era realizar o leilão e não aparecer nenhum candidato.

Enquanto o consórcio não é formado, seguem os preparativos para a concessão da ferrovia. Os estudos técnicos, econômicos e ambientais da ferrovia já foram submetidos a audiência pública. Nessa etapa, interessados em operar ou utilizar o serviço da ferrovia apresentaram sugestões.

No momento, os estudos estão na Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), que deverá enviá-los nos próximos dias para o Ministério dos Transportes e esse, por sua vez, os entregará à autora do projeto, a Estação de Luz Participações (EDLP), para fazer ajustes necessários. Só então os volumes serão remetidos para análise pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Uma vez aprovados lá, o governo pode publicar o edital e marcar a data do leilão.

Próxima gestão

“Não vai dar tempo para fazer o leilão em 2018”, afirmou o secretário de Coordenação de Projetos do Programa de Parcerias de Investimentos (PPI), Tarcísio Freitas. “Vai ficar para o próximo presidente.”

Guilherme Quintella não vê problema nisso. “É um projeto de Estado, não de governo”, disse. “É uma solução estrutural e definitiva da logística de escoamento de grãos do Mato Grosso.” Ele ressaltou que as exportações do agronegócio são o principal componente do balanço de pagamentos do Brasil. “O próximo governante vai tratar do assunto com muita seriedade”, apostou. “E muito ânimo, porque vai receber um projeto pronto.”


A ferrovia do grão não ficará pronta nem no próximo mandato presidencial. A obra em si deve levar cerca de cinco anos para ser concluída. Mas, antes de ela ter início, será necessário obter as licenças ambientais. Trata-se de um processo trabalhoso e demorado. Só depois do licenciamento é que começarão a contar os 65 anos da concessão.

Fundação ambiental

Os empreendedores da Ferrogrão articulam a criação de uma fundação para gerir as medidas que serão adotadas para compensar o impacto da obra sobre o meio ambiente e as comunidades locais. Ela atuará não só nas ações diretamente ligadas à ferrovia. Poderá também atender a outros projetos do tipo em toda a bacia do rio Tapajós que tenham interesse.

“Não cabe mais no Brasil o setor privado acreditar que compliance (boas práticas de governança) das obrigações legais e de compromissos definidos pelo licenciamento socioambiental se resolve alocando recursos financeiros e esperando que tudo fique resolvido sem o real envolvimento das populações impactadas”, disse o presidente da Estação da Luz Participações (EDLP), Guilherme Quintella.

A ferrovia afeta dois elementos que têm alimentado críticas ao agronegócio brasileiro mundo afora: o meio ambiente e os indígenas. O trajeto da linha em si não tem empecilhos legais, mas ela pode afetar comunidades e reservas naturais próximas. A ferrovia vai passar no meio do Parque Nacional Jamanxim, que hoje já é cortado pela BR-163. A rodovia já existia na época da demarcação. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.


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