Foto antológica da Guerra do Vietnã: vetada por nudez infantil (Crédito:Nick Ut)

Cada vez que alguém denuncia uma imagem ou um vídeo impróprio nas redes sociais, técnicos analisam se o conteúdo continua online ou deve ser derrubado. Os responsáveis por essa decisão fazem parte de equipes que não ficam instaladas em prédios no Vale do Silício, mas em Manila, nas Filipinas, trabalhando em absoluto sigilo. Cada moderador fica mergulhado no que há de pior na web, de pornografia infantil à decapitação de prisioneiros de terroristas. Sua missão: avaliar cerca de 25 mil imagens por dia, tendo apenas alguns segundos para decidir o que as pessoas devem ver em suas linhas do tempo.

Essa é a realidade retratada pelo revelador “The Cleaners”, coprodução da alemã Gebrueder Beetz com o estúdio brasileiro Grifa Filmes dirigida por Hans Block e Moritz Riesewieck. A narrativa é costurada pela trajetória de cinco moderadores filipinos, cada um com suas motivações para encarar o trabalho. Um deles acredita em uma missão cristã de livrar a web de pecados; outro compara sua tarefa à guerra às drogas que o presidente Rodrigo Duterte instaurou nas Filipinas. Eles seguem protocolos rígidos, a ponto de apagarem uma imagem icônica do conflito no Vietnã por conta de nudez infantil, e dependem muito da intuição. “Eles seguem um lema: ‘não pense demais’. Levar muito tempo para analisar cada imagem pode ser problemático”, dizem os diretores. Não existem regras claras para esclarecer casos dúbios, e os moderadores são submetidos a uma pressão emocional enorme. Vários apresentam transtornos semelhantes aos de ex-combatentes – o que torna o atual sistema de moderação falho.

“Perdendo o controle ”

Delegar a responsabilidade sobre o que circula em suas páginas a um sistema pouco confiável já seria uma atitude temerária. Mas o que Block e Riesewieck mostram no filme é ainda mais preocupante. Para atuar em alguns países, empresas como o Facebook precisam se submeter às exigências de governos. O documentário usa o exemplo da Turquia, em que alguns conteúdos que não ferem nenhuma regra ficam indisponíveis aos usuários daquele país por conta de decisões políticas. “Essas empresas estão quase perdendo o controle. Suas regras não valem para o mundo todo, o que prejudica sua principal missão, que deveria ser conectar as pessoas”, afirmam os cineastas.

A situação se agrava ainda mais com o discurso de ódio que se espalha pelas redes sociais sem interferência, já que os moderadores não podem derrubar uma postagem apenas porque ela é mentirosa. “A esfera pública foi transferida para a vida digital. Temos que atentar para isso”, dizem Block e Riesewieck. Em muitos lugares, o Facebook é a principal fonte de informação. O jornalista filipino Ed Lingao resume o perigo que se esconde nesse ambiente digital, com as regras atuais.

“Podemos perder a democracia porque estamos dispostos a desistir dela”. O documentário integra a programação do festival É Tudo Verdade, com sessões em abril no Rio de Janeiro e em São Paulo. No segundo semestre, será exibido no canal pago Play TV.