A biografia da czarina Catarina, a Grande, considerada modernizadora do Império Russo, foi uma das últimas leituras do vice-presidente Michel Temer antes de sua agenda ser dominada pela transição de governo. Amigos contam que ele ficou fascinado com a narrativa dos 34 anos em que ela governou e promoveu uma profunda reforma na administração russa. Antes, leu as biografias de Winston Churchill, político conservador e estadista britânico, e de Franklin Roosevelt, 32º presidente dos EUA.

Temer adora histórias de estadistas e lia muito até o acirramento da crise política que culminou com a votação do impeachment na Câmara. Desde então, sua maior preocupação, segundo amigos e aliados, é com a própria biografia.

Ele estava cercado pelo mais íntimo círculo de colaboradores em sua casa de dois andares, em Pinheiros, na capital paulista, quando a presidente Dilma Rousseff afirmou, em entrevista um dia após a votação da admissibilidade do impeachment na Câmara, que era “estarrecedor” ver um vice-presidente no exercício de seu mandato conspirando “abertamente”.

A presidente já tinha batido nessa tecla alguns dias antes. Temer cogitou dar uma resposta dura para “defender sua honra”, mas recuou. “Eu nunca vi o Michel tão irritado como nessas falas da Dilma”, conta um amigo com trânsito pelos quatro “gabinetes de transição” – o Palácio do Jaburu, residência oficial em Brasília, e três escritórios em São Paulo (um do PMDB, outro pessoal e sua casa).

A narrativa que Temer e seu grupo esperam deixar para a história tem um eixo central. “Não resta dúvida de que foi a presidente Dilma quem empurrou Michel para o isolamento e, na sequência, para a oposição. Ele passou os primeiros quatro anos queimando crédito com o PMDB. No mandato seguinte ela prometeu que seria diferente e que o partido teria melhores espaços, mas isso não aconteceu”, diz o deputado Lúcio Vieira Lima (PMDB-BA), um dos principais líderes do impeachment na Câmara.

O ex-ministro Moreira Franco, interlocutor e amigo de Temer, avalia que o PT sempre adotou a estratégia de aproveitar que o PMDB não tem dono. “Acharam que poderiam aproveitar isso para acirrar a divisão entre os grupos da Câmara e do Senado, do Michel e do Renan. (O isolamento) começou já na campanha de 2010. Nós prevíamos que aquele tipo de tratamento iria gerar consequências. E gerou”, diz.

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A inflexão de 2010 se consolidou no primeiro mandato de Dilma, mas parecia ter terminado em abril de 2015, quando assumiu a articulação política do governo.

Antes de aceitar o convite, Temer e o senador Jader Barbalho (PMDB-PA) tiveram conversa reservada com Dilma. Coube ao paraense dizer que o PMDB sempre teve problemas com o governo. Ele ressaltou que o vice não poderia ser demitido e exigiu amplos poderes para sua atuação no Congresso.

Aceitas as condições, Temer foi a campo. “Ele aprovou as pautas do governo e cumpriu sua missão. Mas, depois das articulações feitas na Câmara, a Casa Civil não cumpriu os acordos feitos com deputados. Em política a palavra é ferramenta importante. Não faltou caneta para Temer, faltou lastro”, diz Moreira Franco.

Até governistas reconhecem que o peemedebista foi bem-sucedido na tarefa. “Michel foi um bom articulador político, um dos períodos em que mais se aprovaram matérias do governo”, reconhece o deputado Orlando Silva (PC do B-SP), um dos vice-líderes do governo Dilma na Câmara.

O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva tentou impedir o rompimento, mas foi vencido pelo cansaço. A última conversa entre eles aconteceu no fim de março, na base área de Brasília, e terminou com um desabafo.

Temer estava irritado com a decisão da presidente de convidar, dez dias antes, o peemedebista Mauro Lopes para a Secretaria de Aviação Civil, apesar de resolução do PMDB ter determinado que seus filiados devessem ficar fora do governo por 30 dias.

O parlamentar foi nomeado na mesma cerimônia na qual Lula assumiu a Casa Civil. Um dia antes, Temer procurou Lula e o alertou sobre a gravidade da decisão. O ex-presidente prometeu que resolveria a situação, o que não aconteceu.

Como retaliação, Temer não foi à posse e cortou comunicação com Lula até o encontro da base aérea, que aconteceu depois de muita insistência do petista. O diálogo durou cerca de 40 minutos. “A presidente não ouve ninguém, nem o senhor. O senhor está aqui me escutando há algum tempo, mas com ela não consigo terminar sequer uma frase”, disse Temer.

Lula insistiu que tentaria mudar a situação. Eles ficaram de se falar novamente, mas isso nunca aconteceu. O movimento pelo impeachment já era irreversível.

Adaptação

Michel Miguel Elias Temer Lulia, de 75 anos, é um político com fama de conciliador. Pelo menos é assim que o vê o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. “Conheço Michel há muito tempo”, escreve FHC no livro Diários da Presidência – 1995-1996, contando que, em 1995, ao montar sua base de apoio no Congresso, teve em Temer figura fundamental.


“Ele entrou no PMDB por meu intermédio”, afirma FHC no livro, referindo-se ao ex-procurador de Justiça que dele se aproximou quando o PSDB ainda nem existia – ambos eram do PMDB.

Nos primeiros meses do primeiro mandato, como relata no livro, FHC teve em Temer suporte de articulador em questões relevantes. A boa relação com o então presidente da República aparece quando FHC lembra que mantinha linha direta com Temer, que se tornou líder do PMDB e depois presidente da Câmara. Em troca do apoio, segundo o próprio FHC, Temer trabalhou afinado com o chefe do Executivo.

Recentemente, quando Temer passou ao enfrentamento com Dilma Rousseff, o próprio vice deixou claro que a companheira de chapa e de Palácio não lhe dera sequer parcela do prestígio que ele tivera com FHC.

Temer foi presidente da Câmara dos Deputados por três mandatos (1997-1999, 1999-2001 e 2009-2010), eleito em seis mandatos e apontado em 2009 pelo Departamento Intersindical de Assessoria Parlamentar (Diap) como parlamentar mais influente do Congresso. Presidente do PMDB desde 2001, foi chamado por Lula para compor a chapa com Dilma em 2010.

Já na primeira reunião de governo, porém, Temer teve clara noção de que o papel que o esperava como vice-presidente da República pouco tinha a ver com aquele de articulador privilegiado no governo de FHC.

O amigo Gaudêncio Torquato, que o acompanha e o aconselha desde sua estreia

nas urnas, em 1986, reconhece: “Michel não é um político de massa”. Na última vez em que concorreu a deputado federal, em 2006, quase ficou fora da Câmara. Com 99.046 votos (0,476% do total), elegeu-se por causa da distribuição das “sobras” de votos da coligação.

Nascido na pequena Tietê (SP), no dia 23 de setembro de 1940, Temer começou na política no movimento estudantil na Faculdade de Direito da USP, no Largo de São Francisco. Foi lá que perdeu sua primeira eleição, em 1962, quando foi candidato a presidente do Centro Acadêmico XI de Agosto. Na ocasião, o estudante de Economia José Serra trabalhou contra Temer. O hoje tucano tornou-se, por afinidade, o principal interlocutor de Temer no PSDB. Em 1997, quando o peemedebista disputou a presidência da Câmara pela primeira vez, Serra e Arnaldo Madeira o procuraram e fizeram um gracejo. “Nós trabalhamos contra você no CA, mas agora, em retribuição, vamos lhe apoiar.”

Temer é doutor em Direito pela PUC-SP e respeitado enquanto constitucionalista. Em 1983, assumiu o cargo de procurador-geral do Estado de São Paulo e, em seguida, a Secretaria de Segurança Pública de São Paulo, na gestão Franco Montoro. Em 1986, elegeu-se para a Assembleia Nacional Constituinte graças ao apoio de Montoro. Como presidente da Câmara, assumiu a Presidência da República interinamente duas vezes.

Discreto

Temer mantém na vida privada a mesma discrição da pública. Não gosta de festas e só participa de eventos sociais que tenham finalidade política. Fica apenas o tempo necessário e evita bebidas alcoólicas.

Ele bebe pouco. Prefere vinho ou uma dose, pequena, de seu drink predileto: um shot de Vermouth Carpano Punt puro.


Além da leitura, gosta de cinema, mas não se lembra quando foi a última vez que esteve em uma sala. Também adora séries e assistiu a todas as temporadas de House of Cards, sua favorita. A quem pergunta, rejeita comparações com Frank Underwood, o ex-vice presidente que chegou à Casa Branca na ficção.

Embora não seja fanático, é torcedor do São Paulo. E, por falar em esporte, pratica apenas um, a caminhada. Preocupado em manter a forma, anda diariamente nos jardins da Granja do Torto. Antes de assumir a Vice-Presidência, seu local predileto para o exercício era o Parque Vilas Lobos, na zona sul de São Paulo.

Com a notoriedade e o assédio provocados pelo poder, comprou uma esteira e equipamentos de musculação para se exercitar em casa. Ele tem um fraco por doces.

Temer tem cinco filhos. Com a primeira mulher, Maria Celia de Toledo, teve Luciana, em 1969, Maristela, em 1972, e Clarissa, em 1974.

Maristela e Clarissa são psicólogas. Luciana seguiu os passos do pai: é doutora em Direito Constitucional pela PUC-SP, onde é professora-assistente. Ela, hoje, é secretaria municipal de Assistência Social de Fernando Haddad (PT), em São Paulo, e deve apoiar sua candidatura à reeleição.

Michel Temer também tem um filho adolescente, Eduardo, de 17 anos, que vive em

Londres. Ele reconheceu e paternidade e mantém contato frequente com o jovem, fruto do relacionamento com uma jornalista.

Com sua atual mulher, Marcela, de 32 anos, teve Michelzinho, de 6 anos, que adora andar de skate no Palácio do Jaburu. Marcela, que não gosta do Jaburu, mora na casa da família, em São Paulo, mas agora, com a nova realidade, deve se mudar para Brasília.


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