Muito antes de artistas lotarem arenas ou influenciadores dominarem o feed das redes sociais, a sociedade já assistia a um tipo de espetáculo que misturava devoção, poder e carisma: o dos líderes religiosos. Desde a Antiguidade, figuras como sacerdotes egípcios, oráculos gregos e profetas hebreus mobilizavam multidões, influenciavam decisões políticas e inspiravam narrativas. Eram, na prática, os primeiros grandes protagonistas da vida pública — e, em muitos sentidos, as primeiras celebridades da história.
Esse protagonismo se intensificou com o surgimento da escrita e, mais tarde, com o avanço do rádio, da televisão e, hoje, da internet. Essa relação entre fé e fama ganhou contornos ainda mais complexos. Líderes religiosos passaram a ocupar espaços na cultura pop, gravar CDs, escrever best-sellers, vender milhões de ingressos para encontros e se tornaram, inevitavelmente, alvos de holofotes — e de julgamentos. Afinal, possuem todos os ingredientes que atraem a atenção da opinião pública: influência sobre milhões, presença constante na mídia e, sobretudo, as contradições humanas que tanto alimentam manchetes.
Nos últimos dias, um episódio envolvendo um famoso líder religioso brasileiro — alguém por quem tenho profunda admiração — reacendeu esse debate. Passei a receber mensagens com informações, fotos, mensagens, relatos e comentários. Também tomaram conta das redes sociais numa espécie de “exposed”, com tom de descoberta, que mistura fé e sexualidade — tema central que, aliás, eu mesmo comecei a abordar com mais profundidade nas minhas redes há mais de um ano.
Demorei a entender — e, principalmente, a ter coragem de verbalizar — que a minha orientação sexual nunca deveria ter interferido na minha relação com Deus. O amor de Jesus não é condicionado à heteronormatividade. Mesmo assim, até hoje, recebo ataques por defender essa verdade. E é por isso que este episódio recente com esse líder religioso me toca tanto: vejo pessoas pedindo publicamente para que ele se “assuma”, como se isso fosse uma dívida com a opinião pública. Mas sinto — e reconheço de longe — o tom da armadilha. Uma verdadeira arapuca. Infelizmente, entre muitos comentários que li, vejo que não se trata de empatia. Trata-se do prazer em dizer: “eu sabia”.
A internet se tornou, muitas vezes, um tribunal informal — onde julgamentos ganham palco antes mesmo que histórias sejam compreendidas. Como jornalista que há anos cobre o universo das celebridades, não escondo meu interesse pelos bastidores, pelas entrelinhas, pelas camadas que muitas vezes não estão nos holofotes. Mas foi justamente nesse ambiente, entre prazer e profissão, que aprendi uma das lições mais importantes da minha trajetória: só seria possível seguir essa caminhada se eu delimitasse com clareza o que é inegociável para mim — princípios e valores que protegem não só minha ética, mas minha humanidade.
Se há curiosidade sobre com quem viaja ou se toca ou não piano, isso é apenas detalhe. O que realmente importa, especialmente quando há admiração envolvida, é saber se essa pessoa está bem. Meu interesse mais profundo é que sua saúde mental esteja preservada, que sua liberdade interior seja respeitada e que sua existência — como já acontece — continue sendo fonte de inspiração para tanta gente. E torço, de verdade, para que ele, por exemplo, não precise se afastar de seu chamado ou interromper sua jornada para então poder ser verdadeiramente feliz. É doloroso perceber que, muitas vezes, a compreensão de muitos só chega depois da partida.
Ao longo de mais de uma década atuando no jornalismo de celebridades, aprendi que o silêncio de muitos não representa fuga. Representa força. Representa uma tentativa legítima de respirar, de se proteger, de reorganizar o próprio fôlego antes de seguir.
Falo sobre isso porque tenho revisto, com frequência, o propósito do meu trabalho. No fim do dia, sei que meu compromisso é com a construção de um mundo mais empático. Se puder contribuir para isso — ainda que em 0,0001% — já me dou por satisfeito.
Não dá mais para camuflar preconceito com a desculpa da curiosidade. Fé não se mede por orientação sexual. E humanidade não deve ser colocada em xeque por expectativas alheias. Se esse texto te provoca, ótimo. Que ele provoque mesmo. E que nos lembre de algo essencial: por trás de cada julgamento público, há uma pessoa real, tentando simplesmente existir. E isso, por si só, já merece respeito. Se é que existe algo ainda para acontecer, que seja no tempo certo — e do jeito que Deus conceder sabedoria para ser.